terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Cem anos sem Maria - Por Antônio Cairy

Aquele 17 de janeiro de 1914 marcou profundamente a historiografia de Juazeiro, morria Maria de Araújo, a beata protagonista do milagre da transformação da hóstia em sangue. Fato reprovado pelas autoridades eclesiásticas que em missão inquisitorial a condenaram como doente e embusteira. Foi ainda estereotipada pelo Padre Alencar Peixoto, ao defini-la como: "um produto do cruzamento de duas raças desprezíveis, dando, portanto, uma hibridez horrível, uma monstruosidade feito mulher". A imagem da beata avultou no cenário das teorias de Cesare lombroso pelo retrato anômalo rabiscado por forças repressivas da Igreja no Ceará.
Maria Magdalena do Espírito Santo de Araújo nascera em 24 de maio de 1863. Era uma criança resignada e de vida exemplar marcada por estigmas. Na busca por respostas aos êxtases e as visões místicas tornou-se beata numa Ordem religiosa laica constituída por mulheres órfãs do sertão da seca e da migração do medo.
No dia 22 de outubro de 1930 profanaram o túmulo de Maria e desapareceram com o seu corpo. Investigo duas possibilidades de destino que teve o corpo da beata de Juazeiro. Primeiro: A possibilidade do mesmo ter sido conduzido para Salvador, aonde as teorias de Lombroso se cristalizavam na prática pelos discípulos de Nina Rodrigues, um mito da medicina legal.
A profanação de túmulos era de praxe no sertão. No ano de 1940: “Corisco foi enterrado em Jeremoabo, na Bahia. Dias depois, violaram a sepultura, exumaram o corpo, e deceparam sua cabeça e seu braço direito. Qual a razão de tal barbárie? Na ocasião, alegou-se que os cientistas necessitavam estudar os restos mortais do cangaceiro. Neste sentido, estes foram medidos, pesados, estudados, mas nenhuma deformidade física ou mental foi descoberta. Daí, os restos ficaram expostos à visitação pública por mais de trinta anos, no Museu Nina Rodrigues, na Bahia, ao lado das cabeças de Lampião, Maria Bonita e outros componentes do bando".(O Cruzeiro)
O Dr. Estácio de Lima, professor da Faculdade de Medicina e Diretor do Instituto Médico-Legal Nina Rodrigues, revelou em reportagem à revista O Cruzeiro: “Temos aqui corpos inteiros mumificados, esqueletos, fetos, monstros etc.” e se justificou: “As próprias religiões conservam os corpos dos seus santos”.
Assim a segunda possibilidade de destino seria a própria Igreja. Sabemos que a Igreja estabelece a abertura dos túmulos para a constatação do estado do corpo ali enterrado, quando necessário. O Corpo Incorrupto, na definição da Igreja, é o corpo humano que possui a propriedade, considerada miraculosa, de não se decompor após a morte, sem que tenham sido utilizados métodos de embalsamamento. Será que Maria de Araújo tinha o Corpo Incorrupto?
Assim, pesquiso a possibilidade de destino do corpo de Maria para lugares inesperados, como também fora inesperado o fato da transformação da hóstia em sangue, naquela madrugada de primeiro de março de 1889, durante a comunhão da beata Maria de Araújo, ministrada pelo Padre Cícero Romão Batista. 

Antonio Cariry
Além das circunvalações de Juazeiro
17 de janeiro de 2014

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