quinta-feira, 18 de agosto de 2011

O violino do Padre Cícero – por Joaquim Bezerra de Menezes (*)

Padre Cícero Romão Batista trouxe dois violinos de Roma. Um deles para um sobrinho e o outro foi presenteado ao tabelião Antônio Machado, seu afilhado, por quem o sacerdote nutria grande afeto. Machadinho, como também era conhecido, foi tabelião no Crato por muitos anos. O instrumento, marca Maggini, modelo 1715, provavelmente foi adquirido de segunda mão, uma vez que havia deixado de ser fabricado décadas antes.
 No fundo do instrumento, embaixo do tampo, foi colado um papel e nele consta “Adquirido pelo Pe. Cícero em Roma – Itália 1898, of a Antônio Machado em 26/03/1929 – Ceará – Juazeiro”.
  Antônio Machado cedeu o violino ao músico Paulino Galvão que passava uma temporada em Fortaleza. Indo morar no Rio de Janeiro, Paulino Galvão foi colega de orquestra do violinista cratense Virgílio Arraes, spalla da Orquestra Sinfônica do Teatro Municipal do RJ. Tocaram em outras orquestras e trabalharam juntos em muitas ocasiões, inclusive gravações de cantores da MPB de primeira linha. O dono do violino requereu aposentadoria e mudou-se para uma cidade do interior do Rio de Janeiro, deixando de tocar profissionalmente. Uma curiosidade: apesar de raro e do valor incalculável, a peça musical jamais foi comercializada após chegar ao Brasil, foi sucessivamente passada de mãos em mãos.
  Passado alguns anos, Virgílio resolveu visitar o antigo colega na cidade onde estava morando e manifestou desejo de adquirir o violino que pertencera ao fundador de Juazeiro do Norte. O músico aposentado respondeu que o instrumento era valioso demais para ser vendido e por esta razão não vendia. Mas na hora da despedida pediu para o visitante aguardar um pouco, foi ao interior da casa e retornou com o instrumento raro, entregou ao amigo dizendo que era presente. Apenas pediu que cuidasse bem dele.
Assim, o violino único, que pertenceu ao Padre Cícero, foi parar nas mãos de um cratense, e está bem guardado e bem conservado.

Virgílio Arraes Filho
O proprietário do violino histórico, Virgílio Arraes Filho, merece capítulo à parte. Nascido no Crato, filho de Virgílio Arraes e de Marcionilia de Alencar Arraes, surpreendeu sua mãe quando, aos oito anos, afinou e tocou o bandolim a ela pertencente, sem nunca ter tido uma única aula de música. Diante do prodígio, seus pais procuraram o maestro da banda municipal para que lhe transmitisse noções da 1ª arte. Ainda criança, ouviu uma música no rádio e sentiu-se atraído pelo som do violino, que jamais havia visto. Comunicou aos pais que não queria mais tocar bandolim e sim violino. “Seu” Virgílio (proprietário da primeira sorveteria do Crato – Sorveteria Brasil - e ex-prefeito de Campos Sales, onde nasceu) mandou buscar o instrumento no Rio de Janeiro. Resolvido um problema, surgiu outro: não havia professor no Cariri. A família mudou-se para Fortaleza. Os mestres da capital cearense perceberam o enorme talento do aluno e aconselharam o aluno brilhante ir estudar na então capital brasileira, o Rio de Janeiro.
 No Rio de Janeiro a carreira foi meteórica: primeiro lugar no vestibular na escola de música da UFRJ (1953), primeiro colocado no concurso público para a orquestra do Teatro Municipal, onde foi o primeiro violonista (“Spalla”) durante muitos anos. Músico da Orquestra Sinfônica Brasileira, da orquestra da TV Globo e muitos outros feitos. Único músico a tocar no cinquentenário (1959) e centenário do Teatro Municipal do RJ. Em seu currículo constam performances nos mais importantes palcos do mundo, inclusive com a orquestra do Royal Ballet de Londres, onde foi aplaudido pela realeza Inglesa e recebeu cumprimentos pessoais da princesa Anne.
  Participou de gravações com consagrados nomes da MPB, como Roberto Carlos, Chico Buarque de Holanda, Tom Jobim, Vinicius de Moraes, Simone, Fagner, Djavan, Dalva de Oliveira, Orlando Silva e muitos outros.

(*) Joaquim Arraes de Alencar Pinheiro Bezerra de Menezes, economista cratense, residente em Recife (PE).
(Postagem original: http://catadoradeversos.blogspot.com) 
Na foto, tirada em 31.07.2011, aparecem Virgílio Arraes e o Padre Ágio.


quinta-feira, 4 de agosto de 2011

A I FIC - Por Aderson Borges de Carvalho


Chegava do Rio e São Paulo e fui convidado para uma reunião no Clube dos Doze. Por iniciativa de João Barbosa, socialmente, sempre atuante, projetava-se a realização de uma festa naquele clube, precedida de disputa para a eleição da "Rainha", entre seis jovens beldades de nossa terra, que teriam patrocínio de indústrias locais. A idéia era interessante, mas na minha ótica, sem retorno aos patrocinadores, em termos de eficiência publicitária, por realizar-se num salão, que, elitista, seria inibidor da presença de pessoas, socialmente mais modestas. Sugeri então que déssemos maior amplitude ao evento, partindo para uma mostra onde os expositores fossem indústrias de toda a região, já que estávamos empolgados e ansiosos pelo sucesso do "Plano Asimov" em incipiente implantação. A minha proposta foi aceita, mas "o feitiço caiu por cima do feiticeiro": Fui aclamado Presidente do Comitê de Organização, com Aldemir Sobreira e João Barbosa, na secretaria e tesouraria, respectivamente. Teríamos o apoio do Rotary, Lions e Câmara Júnior. Esse apoio não o tivemos em bloco, mas de um ou outro filiado, entre os quais destaco os odontólogos, Luiz de Souza e Edval Almeida, Manoelito Vitorino, Francisco Moreira, Dr. Ivan Barros, mais um ou outro, que não me vem à memória. O apoio de Valtemar Aquino, gerente do Banco do Nordeste, foi decisivo, pelo seu trabalho de estímulo e persuasão junto aos industriais clientes da agência, que assistidos financeiramente, ao exporem seus produtos, promoviam, também a "conterrânea" instituição bancária.
Tinha uma idéia geral do que seria um certame desse porte enquanto eficiente meio de publicidade, que muito visitara nas amiudadas viagens ao Sul do País e capitais nordestinas. Com as adesões que foram chegando, demos início a estruturação e adaptação de toda a área coberta ou não, do Treze Atlético Juazeirense, (antiga sede) na Praça São Vicente. Os stands iam sendo preparados, os convites expedidos para as mais altas autoridades do país e do estado, Presidente, Ministros, Governador, Secretários, Deputados, com dia e hora marcados.
Indo o Dr. Luiz de Souza a Fortaleza, pedi-lhe que fizesse um trabalho de divulgação pelos meios de comunicação, através de entrevistas e comentários. Dias depois, a complicação: o Delegado do Ministério da Indústria e Comércio, por telegrama avisava ao Prefeito Mauro Sampaio - que não participava da promoção, - e aos presidentes do Rotary, Lions e Câmara Júnior, que a feira estava proibida de funcionar, por descumpri-mento das exigências legais sobre feiras e exposições. Rápido, procurei os destinatários, para que nada divulgassem. Na Prefeitura encontrei Coelho Alves, da Rádio Iracema, já senhor do assunto e pedi-lhe que não veiculasse a notícia até que voltasse de Fortaleza onde me encontraria pessoalmente com o Delegado. Coelho Alves, juazeirófilo, mais que radialista e publicitário, sofreou os ímpetos de repórter ávido por notícias sensacionais, dando realce ao seu acendrado sentimento de juazeiridade. No silencio, um grito de amor às coisas do Juazeiro.
Sem a sua silenciosa colaboração, seria inevitável a desistência dos expositores, debalde todo o esforço despendido em mais de dois mil quilômetros que rodei em muitos dias de entusiástico e exaustivo trabalho; tudo desabaria, soterrando no conceito público, a minha reputação de homem confiável, conquistada durante anos de coerência e lealdade aos compromissos assumidos.
Em Fortaleza, pedi ao meu primo Wilson Machado, informações sobre quem era o Dr. Edgar Damasceno. A informação foi de que se tratava de um senhor polido e acessível ao diálogo. O informe era correto, mas a proibição da feira, reafirmada. Mostrou-me a lei que, taxativa, impunha também uma maratona burocrática, que deveria começar pelo menos noventa dias antes da abertura da exposição. Perguntei-lhe o que aconteceria a infratores dessa Lei.
-Sofrerá penalizações variáveis, dependendo da gravidade da transgressão.
-O que o senhor faria, caso ousássemos levar à frente, o empreendimento?, - perguntei.
É uma hipótese não prevista, mas poderíamos até recorrer à ação das Forças Armadas. Estávamos em outubro de 1967. Ditadura! Fiquei quase sem alento para conversar. Lembrei-me de que o General Dilermando Monteiro, Comandante da 10a Região, estava no Cariri supervisionando as tropas em manobras. Apareceu um raio de esperança, mas não o externei. Encorajei-me para reiniciar o diálogo:
Senhor Delegado, está tudo pronto para a abertura do evento, convidei as mais altas autoridades, inclusive o Presidente e os Ministros, o Governador, Secretários, o certame é patrocinado por clubes de serviço sem fins lucrativos, ignorávamos a Lei; o "Diário da Republica," nem os juizes e promotores o recebem; num país com enorme contingente de analfabetos é até irônica a chapa "entrará em vigor na data da publicação no Diário Oficial", e que ninguém poderá alegar ignorância da Lei, e quejandos. Sei que o senhor entende tudo, mas eu lhe digo, que não é concebível que alguém seja penalizado por querer promover a sua terra, a sua região, o que é sem dúvida, um patriótico esforço de integração no contexto do País.
Senti que o Dr. Damasceno se sensibilizara com os meus argumentos, mas que nada podia fazer. Fui em frente, e arrisquei:
Se alguém tiver de ser punido porque deseja promover a sua terra, que seja eu, pois sou o mais empolgado e comprometido com a iniciativa. Vislumbrei na sua face bem menos anuviada um tênue ar de riso. Continuei.
-Eu queria que o senhor, sem se julgar ofendido, permitisse usar sua máquina, papel e carbono, para oficiar ao Sr. Ministro, relevando a sua vigilância quanto ao cumprimento da Lei, mas pedindo consentimento especial para o nosso caso.
Ele acedeu sorrindo, e ainda mandou o ofício no malote oficial.
Fiquei aliviado, mas precisávamos de dinheiro para evitar falta de recursos na reta final. Encontrei com o ilustre economista juazeirense, Dr. Itamar Pereira de Matos, que era da Secretaria do Planejamento, pedi-lhe ajuda e em tempo recorde, agilizando a tramitação burocrática, entregou-me na mão, um cheque de três mil e duzentos cruzeiros, lamentando que a verba para esse fim já estivesse esgotada.
A realização do certame não estava assegurada, mas confiando num desfecho feliz, fui em frente com os companheiros. Visitei o Gal. Dilermando Monteiro na residência do Sr. José Maria de Figueiredo, falei da nossa feira, sem qualquer alusão ao incidente de ordem legal, ofereci-lhe uma área, pedindo-lhe que a utilizasse para a exposição de armas e apetrechos bélicos. Aceitou agradecido. No dia aprazado, abriu a feira, o Vice-Governador Elery Barreira, no dia seguinte chega o Dr. Damasceno, sorridente, com a credencial de representante do Sr. Ministro da Indústria e Comércio.
Por iniciativa de Dona Zuíla Morais, numa palhoça, funcionou a boate "Maria Bonita," onde os militares, uma noite, jantaram e dançaram com a licença daquele "SENHOR GENERAL", como a oficialidade se referia ao saudoso comandante, que também, democraticamente, se divertiu a valer.
Houve um show com Caubi Peixoto e Ângela Maria, sucesso absoluto. Tivemos stands que dignificariam qualquer Exposição. A FIC, ainda hoje é lembrada com saudade pelos daquele tempo, foi trabalhosa, mas para mim, particularmente, trouxe a deliciosa sensação que se tem, quando numa partida de xadrez, ante iminente derrota, com um só e inspirado lance, passamos para uma posição vencedora. Não foi a primeira vez que me vi quase derrotado e terminei vencedor, em situações idênticas, embora de menor significado social, com otimismo e bom senso.
Tudo bonito, mas o nosso sofrimento moral ninguém soube nem podia saber e muito menos avaliar. Sim... aquele "I", no título é algarismo romano. A Lei proíbe o uso de algarismos arábicos, para designar a ordem seqüencial de feiras e exposições. Isso eu aprendi. A nossa era a 1ª FIC.
Quem quiser fazer a segunda, fique sabendo. Essa, a minha gratuita contribuição aos interessados.
18/01/1999
Transcrito do livro Crônicas do Cariri, do autor.





COMENTÁRIO RECEBIDO:
Como é bonita a História, como homens decididos e predestinados organizam uma peleja. Eu era criança nesta epoca e estive nesta feira pois foi defronte da minha casa, no TREZE colado ao Grupo Pe.Cicero- 1a-FIC.
 Aderson Borges  foi primordial para o crescimento da cidade.
 A 1a-FIC foi um marco para todos nós desta terra, não existe um único Juazeirense que não se lembre deste marco. Eu agradeço hoje o esforço aplicado naquela época, não conhecia  esta face dos bastidores como conheço hoje nas organizações dos Congressos Médicos que participo, só quem comanda e organiza é quem sabe, para nós esta Feira foi um SUCESSO.
 Juazeiro aplaude estes desbravadores.
Precisa o juazerense  saber mais.
Um abraço,do amigo.
 Iderval Reginaldo Tenório
Juazeirense ( Médico em Salvador)
http://www.iderval.blogspot.com
driderval@bol.com.br