POLÍTICA

PADRE CÍCERO E O PACTO DOS CORONÉIS
Introdução
No dia 4 de outubro de 1911,  o recém-criado município de Juazeiro, Ceará,  foi sede de dois grandes eventos políticos: a posse de Padre Cícero Romão Baptista no cargo de intendente (atualmente se diz prefeito) e a realização de uma assembleia ou sessão política para assinatura de um controvertido documento que passou à história com o nome de Pacto dos Coronéis. O referido documento também foi chamado de Pacto de paz, Pacto de harmonia política, Aliança política, Conferência política, Pacto de Haya-mirim e ainda Artigos de fé política.

Quando se fala no nome do Padre Cícero, a figura que realça em primeiro lugar é a de santo dos nordestinos, pois é como tal que ele é mais conhecido. Entretanto, existe em sua biografia um forte peso como figura política, embora isto seja mais conhecido e estudado apenas pelos seus pesquisadores. Aqueles que se consideram seus devotos, pouca ou nenhuma importância dão ao fato, porquanto para eles o que importa mesmo é o homem santo capaz de fazer milagres, o protetor nas horas das aflições. E foi assim que ele conseguiu uma grande legião de devotos. Como político fez muitos desafetos.

Mas de uns tempos para cá, sua vida política começou a ser dissecada pelos cientistas sociais e a partir da publicação dos primeiros textos, uma nova legião de admiradores surgiu. 

Assim, a dicotomia envolvendo o santo e o político passou a ter terreno próprio e essas duas vertentes, indissolúveis e complementares, coexistem a despeito dos pareceres positivos de uns e negativos de outros.

Como signatário do Pacto dos Coronéis, Padre Cícero consolidou sua vida política, transformando-se na maior liderança do interior cearense. Porém, se por um lado isto lhe deu uma indiscutível força de mando, por outro lado arranhou profundamente sua  biografia perante a sua igreja, que já o tinha na conta de embusteiro e doravante passou a tê-lo também como um coronel, certamente uma nódoa na sua apregoada santidade. 

Por isso, é muito importante estudar essa particularidade da sua vida a qual já rendeu farta bibliografia e não para de crescer. Neste contexto, o objetivo principal deste trabalho é fazer uma análise das implicações decorrentes da assinatura do Padre Cícero no Pacto dos Coronéis, conforme as opiniões emitidas por escritores que estudaram o assunto em seus mais variados aspectos. 

Para melhor compreensão do tema é feita inicialmente a transcrição da ata do histórico evento e a partir daí tem início a análise que define a importância do Pacto dos Coronéis na história política do Padre Cícero. No final é apresentada uma galeria com fotos de alguns dos coronéis que tiveram ligação com o famigerado evento. 
                                                                                                                          
O que é coronelismo
Até o final do século XIX, esteve em vigor no Brasil,  um sistema conhecido popularmente por coronelismo, cuja política era controlada e liderada pelos ricos fazendeiros então denominados de coronéis.  

No interior cearense, mais particularmente no Cariri, o coronelismo se caracterizava pela prática abusiva de duas irregularidades: o voto de cabresto e a fraude eleitoral. 

Na Velha República, o sistema eleitoral vigente era bastante vulnerável à manipulação. Por isso, os coronéis poderosos compravam votos para seus candidatos ou então os permutavam por bens materiais. Como o voto era aberto (não havia ainda o sistema de urnas), os eleitores se sentiam coagidos e para evitar represálias não havia outro jeito senão votar no candidato indicado pelos coronéis. As regiões sobre as quais os coronéis exerciam poder de mando político ficaram conhecidas como “currais eleitorais”. 

Entre as fraudes eleitorais praticadas pelos coronéis caririenses estavam o costume de alterar votos, sumir com urnas e o uso abusivo do chamado voto fantasma, o qual consistia em falsificar documentos para que eleitores pudessem votar várias vezes em prol de determinado candidato. Era comum inclusive o voto de pessoas mortas. 
Fim do coronelismo
O coronelismo em seu formato original começou a ser extinto com a chegada de Getúlio Vargas ao poder, como resultado da Revolução de 1930. Em algumas regiões do Brasil desapareceu completamente, mas em outras  o coronelismo  continuou mais algum tempo, embora com menos intensidade e adaptado a uma nova realidade. A compra de votos continua até hoje. Mas os atuais chefes políticos, mesmo sendo grandes latifundiários, não são mais chamados de coronéis.

Padre Cícero pode ser chamado de coronel?
Por ser dono de várias propriedades rurais (embora tenha deixado tudo para a Igreja) e poder para decidir uma eleição, Padre Cícero é considerado por muitos escritores como tendo sido um coronel. Mas a pecha de coronel, no sentido como o termo é usado e entendido no Nordeste, não se coaduna com o comportamento e a personalidade do Padre Cícero. Ninguém conhece registro da existência de armas em sua residência ou de capangas a sua disposição, coisas muito comuns aos coronéis de que fala a literatura.

Entretanto, até hoje, não existe consenso com respeito a Padre Cícero ser ou não considerado como um coronel. As opiniões emitidas pelos estudiosos são muito variadas e dicotômicas. 

Vejamos algumas:
Maria de Lourdes M. Janotti, escritora: "Padre Cícero foi o mais célebre de todos os coronéis". 

José Fábio Barbosa da Silva, professor e escritor: "Padre Cícero também era o coronel dono de imensa força política que passou a representar os romeiros, quando Juazeiro se tornou independente. O Padre Cícero também possuía o status mais elevado, mais alto que o dos coronéis tradicionais". 
Moisés Duarte, evangélico:  “Padre Cícero era amigo do peito de vários latifundiários da região, conhecidos como "os coronéis". Esses senhores ilustres eram opressores dos pobres, marginalizavam os sertanejos, excluindo-os do direito à saúde, aos alimentos e até à vida. Pasme, o Padim Ciço pertencia a essa espécie de liga de coronéis do Ceará e a defendia”.

Rui Facó, jornalista: "Por que o Padre Cícero desfrutando de enorme popularidade, dispondo de tudo quanto fazia de alguém um coronel, por que não seria ele um coronel? Apenas porque vestia batina, ordenara-se padre, fazia milagres? Na verdade, nada diferenciava o Padre Cícero Romão Batista de qualquer dos latifundiários da zona. Utilizou, e em grande escala, os mesmos métodos familiares àqueles, como dar abrigo a capangas e cangaceiros e aproveitá-los ou permitir que outrem os aproveitassem para a consecução de objetivos políticos que também eram os seus". 

José Boaventura de Sousa, historiador e professor: "Padre Cícero foi um coronel, mas um coronel diferente da conotação que a sociologia aponta. Não foi um coronel explorador, foi um coronel porque todos o procuravam como um líder". 

Francisco Régis Lopes Ramos, historiador e escritor: "Padre Cícero alia-se aos coronéis, mas não se torna um deles. Suas atitudes são de apadrinhamento, de um protetor dos desclassificados, de um conselheiro e não de um político ou coronel". 

Neri Feitosa, sacerdote e escritor: "Ele não tinha patente militar nem da Guarda Nacional. Ninguém o chamou oralmente de coronel. Por escrito, deram-lhe este epíteto por hipérbole e por analogia". 

Marcelo Camurça, historiador:  “No meu modo de ver o Padre Cícero se relacionou com as oligarquias, transitou na sociedade política, se compôs com os setores dominantes, tanto pela sua condição de sacerdote letrado, um intelectual tradicional, e esta condição o estimulava qual outros padres no Império e na República a ter uma projeção social, quanto pela vontade de ajudar o seu povo, de levar adiante o seu projeto de manter de pé a comunidade do Juazeiro, pela via da conciliação tão marcante na sua visão de mundo. Porém, o Padre Cícero nunca abriu mão de sua identidade sacra, do seu papel de guia religioso, de líder espiritual, para se tornar um político profissional, tampouco abriu mão da mística do "milagre" e de sua visão messiânica, simbólica do catolicismo popular, daquele primeiro sonho que teve quando Cristo encarregou-o de cuidar do Juazeiro e de seu povo. Este sem dúvida não é o perfil de um "Coronel" latifundiário ou de um político das classes dominantes”. 

Ata do Pacto dos Coronéis
“Aos quatro dias do mês de outubro do ano de mil novecentos e onze, nesta vila de Juazeiro do Padre Cícero, município do mesmo nome, Estado do Ceará, no paço da Câmara Municipal, compareceram à uma hora da tarde os seguintes chefes políticos: coronel Antônio Joaquim de Santana, chefe do município de Missão Velha; coronel Antônio Luís Alves Pequeno, chefe do município do Crato; reverendo Padre Cícero Romão Batista, chefe do município do Juazeiro; coronel Pedro Silvino de Alencar, chefe do município de Araripe; coronel Romão Pereira Filgueiras Sampaio, chefe do município de Jardim; coronel Roque Pereira de Alencar, chefe do município de Santana do Cariri; coronel Antônio Mendes Bezerra, chefe do município de Assaré; coronel Antônio Correia Lima, chefe do município de Várzea Alegre; coronel Raimundo Bento de Sousa Baleco, chefe do município de Campos Sales; reverendo padre Augusto Barbosa de Menezes, chefe do município de S. Pedro do Cariri; coronel Cândido Ribeiro Campos, chefe do município de Aurora; coronel Domingos Leite Furtado, chefe do município de Milagres, representado pelos ilustres cidadãos, coronel Manuel Furtado de Figueiredo e major José Inácio de Sousa; coronel Raimundo Cardoso dos Santos, chefe do município de Porteiras, representado pelo reverendo Padre Cícero Romão Batista; coronel Gustavo Augusto de Lima, chefe do município de Lavras da Mangabeira, representado por seu filho João Augusto de Lima; coronel João Raimundo de Macedo, chefe do município de Barbalha, representado por seu filho major José Raimundo de Macedo e pelo juiz de direito daquela comarca, doutor Arnulfo Lins e Silva; coronel Joaquim Fernandes de Oliveira, chefe do município de Quixará, representado pelo ilustre cidadão major José Alves Pimentel; e o coronel  Inácio de Lucena, chefe do município de Brejo Santo, representado pelo coronel Antônio Joaquim de Santana. A convite deste que, assumindo a presidência da magna sessão, logo deixou, ocupando-a o reverendo Padre Cícero Romão Batista para em seu nome declarar o motivo que aqui os reunia. Ocupada a presidência pelo reverendo Padre Cícero, fora chamado o major Pedro da Costa Nogueira, tabelião e escrivão da cidade de Milagres, que também se achava presente. Declarou o presidente que aceitando a honrosa incumbência confiada pelo seu prezado e prestigioso amigo coronel Antônio Joaquim de Santana, chefe de Missão Velha e traduzindo os sentimentos altamente patrióticos do egrégio chefe político, Excelentíssimo Senhor Doutor Antônio Pinto Nogueira Accioly, que sentia d´alma as discórdias existentes entre alguns chefes políticos desta zona, propunha que, para desaparecer por completo esta hostilidade pessoal, se estabelecesse definitivamente uma solidariedade política entre todos, a bem da organização do partido os adversários se reconciliassem, e ao mesmo tempo lavrassem todos um pacto de harmonia política. Disse mais que para que ficasse gravado este grande feito na consciência de todos e de cada um de per si, apresentava e submetia à discussão e aprovação subseqüente os seguintes artigos de fé política:
Art. 1º - Nenhum chefe político protegerá criminoso do seu município nem dará apoio nem guarida aos dos municípios vizinhos, devendo ao contrário, ajudar a captura destes, de acordo com a moral e o direito.
Art. 2º - Nenhum chefe procurará depor outro chefe, seja qual for a hipótese.
Art. 3º - Havendo em qualquer dos municípios reações, ou mesmo, tentativas contra o chefe oficialmente reconhecido com o fim de depô-lo, ou de desprestigiá-lo, nenhum dos chefes dos outros municípios intervirá nem consentirá que os seus municípios intervenham ajudando direta ou indiretamente os autores da reação.
Art. 4º - Em casos tais só poderá intervir por ordem do governo para manter o chefe e nunca para depor.
Art. 5º - Toda e qualquer contrariedade ou desinteligência entre os chefes presentes será resolvida amigavelmente por um acordo, mas nunca por um acordo de tal ordem, cujo resultado seja deposição, a perda de autoridade ou de autonomia de um deles.
Art. 6º - E nessa hipótese, quando não puderem resolver pelo fato de igualdade de votos de duas opiniões, ouvir-se-á o governo, cuja ordem e decisão será respeitada e restritamente obedecida.
Art. 7º - Cada chefe, a bem da ordem e da moral política, terminará por completo a proteção a cangaceiros, não podendo protegê-los e nem consentir que os seus munícipes, seja sob que pretexto for, os protejam dando-lhes guarida e apoio.
Art. 8º - Manterão todos os chefes políticos aqui presentes inquebrantável solidariedade não só pessoal  como política, de modo que haja harmonia de vistas entre todos, sendo em qualquer emergência “um por todos e todos por um”, salvo em caso de desvio da disciplina partidária, quando algum dos chefes entenda de colocar-se contra a opinião do chefe do partido, o Excelentíssimo Doutor Antônio Pinto Nogueira Accioly: Nessa última hipótese cumpre ouvirem e cumprirem as ordens do governo e secundarem-no nos seus esforços para manter intacta a disciplina partidária.
Art. 9º - Manterão todos os chefes incondicional solidariedade com o Excelentíssimo Doutor Antônio Pinto Nogueira Accioly, nosso honrado chefe, e como políticos disciplinados obedecerão incondicionalmente suas ordens e determinações.
Submetidos a votos, foram todos os referidos artigos aprovados, propondo unanimemente todos que ficassem logo em vigor desde essa ocasião.
Depois de aprovados, o Padre Cícero levantando-se declarou que sendo de alto alcance o pacto estabelecido, propunha que fosse lavrado no Livro de Atas desta municipalidade todo o ocorrido, para por todos os chefes ser assinado, e que se extraísse uma cópia da referida ata para ser registrada nos Livros das municipalidades vizinhas, bem como para ser remetida ao doutor presidente do Estado, que deverá ficar ciente de todas as resoluções tomadas, o que foi feito por aprovação de todos e por todos assinado.
Eu, Pedro da Costa Nogueira, secretário, a escrevi.
Assinam: 
Padre Cícero Romão Batista
Antônio Luís Alves Pequeno
Antônio Joaquim de Santana
Pedro Silvino de Alencar
Romão Pereira Filgueiras Sampaio
Roque Pereira de Alencar
Antônio Mendes Bezerra
Antônio Correia Lima
Raimundo Bento de Sousa Baleco
Padre Augusto Barbosa de Menezes
Cândido Ribeiro Campos
Manoel Furtado de Figueiredo
José Inácio de Sousa
João Augusto de Lima
Arnulfo Lins e Silva
José Raimundo de Macedo
José Alves Pimentel

Comentários
- “O receio era o de que a reunião acabasse em tiro. Nunca se viram – nem jamais se voltaria a ver – tantos coronéis sertanejos assim reunidos em um mesmo lugar, como naquele 4 de outubro de 1911, em Juazeiro, o dia da posse do Padre Cícero na prefeitura. Lá fora, as ruas estavam enfeitadas de bandeirinhas de papel e a banda do mestre Pelúsio de Macedo fazia a festa. No interior da casa que sediou a solenidade oficial, os dezesseis homens vestidos em roupa de domingo foram recebidos com chuvas de flores e papel picado. Mas não escondiam de ninguém, que ruminavam uma coleção de rancores mútuos. Praticamente todos os chefes políticos do Cariri – incluindo o coronel Antônio Luís – haviam acatado o chamado do sacerdote para tão insólito conclave que marcaria seu primeiro dia como prefeito. Quando Padre Cícero levantou da mesa ao final daquela histórica reunião e passou a colher a assinatura de todos, os coronéis do Cariri já  tinham tomado consciência de que, diante da nova situação, precisavam eleger um chefe imediato entre eles. Esse chefe não seria, necessariamente, Accioly. Carecia ser alguém que estivesse mais perto deles e que, a despeito das diferenças e dos ódios pessoais que os separavam, fosse um homem cuja palavra seria acatada sem ressalvas. Os coronéis precisavam de um líder político no Cariri. Naquela tarde, esse líder se revelara naturalmente – e já tinha um nome. O nome dele, ninguém se atreveria a discordar, era Padre Cícero”. Assim, Lira Neto descreveu em seu livro Padre Cícero, poder, fé e guerra no sertão a reunião em que foi assinado o Pacto dos Coronéis.

- Durante muito tempo se especulou a respeito de quem concebeu a ideia da famigerada reunião. O nome do seu autor está até hoje envolto em mistério, sendo motivo de muitas especulações. O primeiro sinal dado no sentido de tentar elucidar o mistério pode ser visto num dos artigos da série “Formal desmentido” publicada por Dr. Floro Bartholomeu da Costa, no jornal Unitário, de Fortaleza, de 9 a 17 de junho de 1915,  onde ele escreveu: “Determinado o dia 11 de outubro do mesmo ano de 1911 para a inauguração da vila e estando mui acirrados os ódios dos chefes do Cariri, especialmente os de Lavras, Aurora, Milagres, Missão Velha, Barbalha e Brejo dos Santos, contra os do Crato e os de Porteiras, lembrei ao Padre Cícero a necessidade de estabelecer-se a harmonia entre todos.  Para isso conseguir, a todos convidamos, de acordo com o Dr. Nogueira Accioly, para no dia 4 de outubro estabelecermos um pacto de paz entre todos os chefes inimizados.”  

- O escritor Otacílio Anselmo tem opinião diferente, pois na sua volumosa obra Padre Cícero, mito e realidade diz que, na reunião em que Padre Cícero foi empossado como primeiro Prefeito de Juazeiro, o juiz de Barbalha, Dr. Arnulfo Lins e Silva “aproveitou o ensejo para inspirar e, sob o patrocínio do Padre Cícero, promover um convênio entre os numerosos chefes municipais ali reunidos, no sentido de estabelecer um clima de paz e assegurar a tranquilidade das populações caririenses, até então em pânico permanente por conflitos armados resultantes de velhos ódios entre grupos e famílias irreconciliáveis, transmitidos de geração em geração e que ainda hoje subsistem.”

- Edmar Morel  atribui a ideia do pacto dos coronéis ao Padre Cícero, pois em sua obra Padre Cícero, o santo do Juazeiro ele assim escreveu: “O Padre querendo firmar o seu prestígio junto à oligarquia dos Acciolys, que já governavam o Ceará há vinte anos, em dois períodos, e ao mesmo tempo pôr em prova se ainda seria hostilizado pelos políticos, seus vizinhos, como no caso das minas do Coxá, levanta a ideia da realização de um convênio, no Juazeiro, com a participação de todos os senhores feudais, senhores de cangaceiros e senhores de eleitores”. O autor conclui tachando o pacto como “uma página da história do banditismo no Nordeste, um pacto de honra assinado pelos maiores e mais respeitáveis coronéis que infelicitaram os sertões do Brasil, atirando homens contra homens e transmitindo o ódio e a sede de vingança de geração em geração. Uma página celebérrima do cangaceirismo no Brasil”.

- Nesta mesma linha segue Amália Xavier de Oliveira, quando em seu livro O Padre Cícero que eu conheci, afirmou: “Foi o Padre Cícero quem programou, para o dia de sua posse, uma reunião com os chefes políticos da região a fim de assinarem um pacto de amizade e apoio mútuo tendo como um dos objetivos evitar movimentos que perturbassem a ordem na região caririense, procurando resolver as questões que surgissem, sem contendas prejudiciais, ao desenvolvimento das comunas”. E concluiu Amália Xavier de Oliveira: “Para fazer apresentação dos artigos o coronel Santana passou a Presidência (da reunião) ao Rev. Pe. Cícero, que explicou, aos presentes, a razão por que se fazia, naquele momento, um pacto de amizade e auxílio mútuo, com aquele programa de orientação”. 
Esta passagem, inclusive, está registrada na ata do pacto transcrita no início deste capítulo. Assim, temos três autores da ideia do Pacto: Dr. Floro, o juiz Dr. Arnulfo e o Padre Cícero. E a dúvida persiste com respeito à autoria. 

- Em seu livro Império do bacamarte o escritor Joaryvar Macedo tenta minimizar a questão da autoria da ideia do Pacto salientando que: “Seja quem for o autor do Pacto, é lícito admitir, ou mesmo acreditar nas suas retas intenções. Não parece justo considerá-lo uma farsa em sua gênese, como querem alguns. O acordo, na sua realidade, transformou-se numa pantomima, porque inexeqüível, pelo menos em parte dos seus artigos. Homens, na sua maioria despóticos, vezeiros em dominar pelo poder do bacamarte, achavam-se absolutamente despreparados para assumir compromissos de tal ordem. De outro ângulo, deixar de proteger facínoras e cangaceiros equivaleria a decretar a extinção do coronelismo. Um dos seus mais fortes esteios era precisamente o banditismo”.

- Diz ainda Joaryvar: “O texto da ata da singular Assembleia dos coronéis sul-cearenses, na qual se firmou o curioso pacto, reflete a posição proeminente do Padre Cícero na contextura coronelítica regional. Manifesta ademais, que, naquela conjuntura, a jeito trabalhada e preparada, o levita, além de assumir a chefia local, investia-se, concomitantemente, no comando político da região”.

- Assim como Joaryvar Macedo, Otacílio Anselmo também acha que “apesar da boa intenção do seu idealizador, o pacto seria inexeqüível num meio em que a lei vigente era a do mais forte e onde as questões, mesmo as mais simples, resolviam-se ao sabor da vontade soberana de velhos sobas apegados a seus interesses econômicos e as suas ambições políticas”.

- Para o escritor Rui Facó, na sua famosa obra Cangaceiros e fanáticos, “o pacto era na verdade um sinal de debilidade, um prenúncio de decadência do coronel tradicional, do potentado do interior, outrora senhor absoluto de seu feudo e em disputa constante com os feudos vizinhos. Sua maneira de pensar fora sempre esta: todos lhe deviam render vassalagem!”.
- Para  Irineu Pinheiro, autor de Efemérides do Cariri, os coronéis presentes à reunião em Juazeiro assinaram de comum acordo “um pacto de amizade e apoio mútuo com o fim de extinguir a proteção aos criminosos, evitar movimentos que perturbassem a vida das comunas caririenses, buscando resolver as questões que surgissem entre chefes vizinhos!”.

- A imprensa cearense deu vasta cobertura à reunião que culminou com a assinatura do pacto. Nada, contudo, se compara ao que estampou o jornal O Correio do Cariri, da cidade do Crato que após extensa matéria concluiu assim: “Podem os nossos leitores avaliar das boas intenções daqueles que, esquecendo antigos ressentimentos, se congraçaram, para, cumprindo santos deveres sociais, rasgarem um novo horizonte mais amplo e mais claro, aos públicos negócios desta opulenta e próspera parte de nosso Estado”. 

- Mas para o historiador americano Ralph Della Cava, autor de Milagre em Joaseiro, os coronéis do Cariri “contentes com a vitória obtida sobre Antônio Luís e desejosos de impedir que o Juazeiro viesse a dominar a região lançaram na famosa reunião a proclamação do hoje famoso Pacto dos Coronéis”. E conclui della Cava: “Finalmente, com o objetivo de fazer vigorar o pacto e garantir a participação da região na divisão do espólio político do poder estadual, comprometiam-se todos os delegados (presentes à reunião), a manter “incondicional” solidariedade com o excelentíssimo doutor Antônio Pinto  Nogueira Accioly, seu honrado chefe, e como políticos disciplinados obedecer incondicionalmente suas ordens e  determinações”.

- No final das contas, o certo mesmo é que o pacto falhou fragorosamente no conteúdo dos seus dois últimos artigos, pois cerca de pouco mais de três meses após a sua assinatura o presidente Accioly é apeado do poder, constituindo-se no mais duro golpe para os chefes políticos Acciolynos do Ceará.

- A queda do velho cacique da política cearense trouxe de roldão também o baque de muitos coronéis do Cariri, seus correligionários, mas, consoante acentua Joaryvar Macedo “a partir daí, começariam os caciques sul-cearenses, com desmedido empenho, a preparar uma sublevação, no sentido de retornarem ao poder supremo dos seus redutos eleitorais. E voltaram todos, com a vitória da rebelião de Juazeiro, de 1913 para 1914, - uma sedição dos coronéis”. 

- À reunião para assinatura do Pacto duas importantes forças políticas do Cariri não marcaram presença nem mandaram representantes: coronel Basílio Gomes da Silva, de Brejo Santo, e coronel Napoleão Franco da Cruz Neves, de Jardim, pois ambos já haviam rompido com Accioly. Contudo, outros chefes políticos destes municípios estavam presentes.

Conclusão
Diante do exposto, fica evidente que paira dúvida sobre quem é o autor da ideia de realização da reunião que resultou na assinatura do Pacto dos coronéis. Mas todos concordam num ponto:  a aposição da assinatura do Padre Cícero no referido documento oficializou sua liderança como chefe político da Cariri, mas também o transformou num coronel de batina conforme lhe atribuem muitos dos seus biógrafos.  
Também  fica evidente que mesmo o Pacto não tendo conseguido o êxito esperado, isso não diminuiu em nada o prestígio político do Padre Cícero que mais tarde o confirmou quando liderou juntamente com o deputado Floro Bartholomeu da Costa, em 1914,  o movimento sedicioso que culminou com a deposição do Presidente do Ceará, Franco Rabelo.
Também é possível concluir que depois do Pacto dos Coronéis a história do Padre Cícero toma outro rumo, agora de natureza política, mas que andou ao lado da sua já consolidada áurea de líder religioso de uma grande massa de sertanejos, sob o olhar de repúdio da Igreja Católica Apostólica Romana, que tirou suas ordens em 1894 e em 2015 promoveu sua reconciliação.  
Não obstante as críticas ostensivas dirigidas  a assembleia política que culminou com a assinatura do Pacto dos Coronéis, não há como anular o fato de este evento figurar como um dos mais importantes acontecimentos políticos da história do Cariri e do Ceará, pois nunca se viu tantos caciques da política cearense juntos numa vila recém-criada. E mais: somente o Padre Cícero teria força e prestígio suficientes para convocar os participantes da reunião. 
Por tudo isso, o Pacto dos Coronéis é tema recorrente na vasta bibliografia de Padre Cícero e jamais deixará de ser um assunto polêmico.  

GALERIA DOS PERSONAGENS DO PACTO DOS CORONEIS
    Padre Cícero                           Dr. Floro
                                                 
    Cel. Accioly             Cel. Antônio Luís
                                                           
    Cel. Antônio Correia Lima e Pe. Augusto Barbosa
 
     Cel. Gustavo Augusto e Cel. João Augusto
    Cel. José Alves Pimentel e Cel. Pedro Silvino
     Cel. Cândido Ribeiro Campos    e  Cel. Antônio Joaquim de Santana
     Cel. Romão Pereira Filgueiras Sampaio

O Pacto dos Coronéis na concepção da artista plástica juazeirense Assunção Gonçalves. Esta tela encontra-se exposta na Câmara Municipal de Juazeiro do Norte.  

Casa de dona Rosinha Esmeraldo (em sua arquitetura original) onde Padre Cícero foi empossado no cargo de intendente de Juazeiro e também local da realização da assembleia política que lavrou o Pacto dos Coronéis. 
    

Prédio onde foi assinado o Pacto dos coronéis atualmente


BIBLIOGRAFIA
     
ANSELMO, Otacílio. Padre Cícero: mito e realidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968.
BARBOSA DA SILVA, José Fábio. Organização Social de Juazeiro e Tensões entre Litoral e Interior, in Sociologia, vol. XXIV, n° 3, setembro de 1962. São Paulo,, Fundação Escola de Sociologia Política de São Paulo.
CAMURÇA, Marcelo. Marretas, molambudos e rabelistas: a revolta de 1914 no Juazeiro. São Paulo: Maltese, 1994.
DELA CAVA, Ralph. Milagre em Joaseiro. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.
FACÓ, Rui. Cangaceiros e fanáticos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1976.
JANOTTI, Maria de Lourdes M.   O Coronelismo, uma Política de Compromissos. São Paulo, Editora Brasiliense S.A., 1981, p. 73.
LIRA NETO. Padre Cícero: poder, fé e guerra no sertão. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
LOPES, Regis. Caldeirão. Fortaleza: Eduece, 1991.
MACEDO, Joaryvar. Império do bacamarte: uma abordagem sobre o coronelismo no Cariri. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará, 1990.
MOREL, Edmar. Padre Cícero: o santo de Juazeiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966. 
PINHEIRO, Irineu. Efemérides do Cariri. Fortaleza: Imprensa Universitária do Ceará, 1963.
XAVIER DE OLIVEIRA, Amália. O Padre Cícero que eu conheci. Rio de Janeiro: Gráfica Olímpica Editora Ltda., 1969.   

O AUTOR

Daniel Walker é natural da cidade de Juazeiro do Norte, Ceará, onde nasceu em 6 de setembro de 1947. É formado em História Natural pela Faculdade de Filosofia do Crato, com Curso de Especialização em História do Brasil pela Universidade Cândido Mendes, do Rio de Janeiro. Professor Adjunto aposentado da Universidade Regional do Cariri-URCA. Desenvolve também atividade como jornalista com trabalhos publicados pela imprensa juazeirense e de Fortaleza. Em 1995 fundou o jornal eletrônico Juaonline, a vitrine da história de Juazeiro do Norte, rebatizado em 2008 com o nome de www.portaldejuazeiro.com É pesquisador da vida do Padre Cícero e de Juazeiro do Norte sobre quem já publicou os seguintes livros:


e-mail: danielwalker47@gmail.com

APONTAMENTOS PARA A HISTÓRIA POLÍTICA DE JUAZEIRO DO NORTE
No momento em que Juazeiro do Norte atinge 104 anos de emancipação política (2015) apresentamos este trabalho mostrando algumas curiosidades históricas sobre a política juazeirense. Este ano a data ocorre com o prefeito eleito, Raimundo Macedo, afastado por ordem judicial, estando no exercício o vice, Luiz Ivan Cruz Bezerra. Por falta de recursos o prefeito em exercício resolveu suspender solenidade envolvendo gastos sem a necessária cobertura, uma medida que foi acatada pela população. 

INICIO DA HISTÓRIA POLÍTICA DE JUAZEIRO 
Cronologicamente a história política de Juazeiro começa no dia  16 de agosto de 1907 com a circulação de  um boletim conclamando a população do povoado  para “uma reunião cívica, sem cor política” em prol da independência do povoado de Juazeiro (ou Joaseiro como era grafado naquela época) desmembrando-se da tutela da cidade do Crato. O boletim apresentava o seguinte teor.   

“BOLETIM. Ao povo de Juazeiro. Domingo próximo, 18 de agosto de 1907, ao meio-dia, realizar-se-á uma reunião cívica, sem cor política, em casa do prestimoso cavalheiro major Joaquim Bezerra de Menezes, devendo tratar-se do engrandecimento desta florescente povoação. É absolutamente desnecessário declarar que a reunião, visando somente um fim patriótico, deve contar com o vosso franco e decidido apoio, pois em falando-se de melhoramento a este torrão abençoado, tão querido, fostes sempre animado pela chama de um acrisolado patriotismo. É chegado o momento de pugnarmos com alta energia e valor pela nossa elevação social, elevando Juazeiro à categoria de Município, aumentando assim a importância de toda zona do Cariri que bem merece os vossos serviços para chegar ao grau de prosperidade de que é digno. Tenhamos confiança no futuro e podemos aguardar os louros de uma esplendente vitória. À reunião. Juazeiro, 16 de agosto de 1907”.

 Há fortes indícios de que o autor do boletim acima foi o padre Alencar Peixoto, que havia chegado ao povoado há poucos dias. 
A reunião referida no boletim acima transcrito aconteceu no dia previsto, mas não teve grande repercussão devido ao pequeno número de participantes, entre os quais  Joaquim Bezerra de Menezes, João Bezerra de Menezes, José André de Figueiredo, Francisco Néri da Costa Morato, Manuel Vitorino, Cincinato Silva, padre Alencar Peixoto e outros. Padre Cícero, nesse primeiro momento, não apareceu.  
Embora tenha sido o pai da ideia de emancipação política e muito ter feito pela sua cidade, Juazeiro até agora não foi grato ao Major Joaquim Bezerra de Menezes. Não existe aqui nenhuma homenagem em seu nome. 
Desanimado com a falta de apoio a sua ideia de emancipação política de Juazeiro o major foi morar no Crato. 

INTENDENTES, INTERVENTORES E PREFEITOS
Durante seus 104 anos de emancipação política o município teve quase cinquenta gestores municipais com as denominações de intendente, interventor e prefeito. Antigamente o gestor municipal era chamado de intendente. Tal denominação permanece até 1930, quando, com a Revolução de 1930 e o início da Era Vargas, cria-se a figura do prefeito e institui-se a "prefeitura". 

O PRIMEIRO INTENDENTE
Padre Cícero
O primeiro gestor municipal de Juazeiro, com o nome de intendente, foi o Padre Cícero Romão Batista, nomeado no dia 3 de outubro de 1911 pelo Presidente do Estado, Cel. Antônio Pinto Nogueira Accioly, cuja posse ocorreu no dia 4 de outubro de 1911. Antigamente os gestores municipais não eram eleitos pelo povo e sim indicados pelo presidente do estado, que depois passaram a ser chamados de governadores. Não existia o cargo de vice-intendente, assim,  quando o intendente se afastava assumia seu secretário de administração ou secretário-geral 






O PRIMEIRO PREFEITO ELEITO
José Geraldo
O prefeito, a partir da Constituição de 1934, passa a ser escolhido pelo povo. Em Juazeiro, oficialmente, o primeiro prefeito eleito foi José Geraldo da Cruz, cujo mandato foi de 29 de março de 1936 a 10 de novembro de 1937. Sendo assim, para falar de acordo com a legislação, Padre Cícero nunca teve o título oficial de prefeito de Juazeiro e sim de intendente.







O PRIMEIRO VICE-PREFEITO
Antônio Ribeiro
O cargo de vice-prefeito só veio aparecer na história política local na eleição de Dr. Antônio Conserva Feitosa (1959) que teve como seu vice-prefeito o empresário Antônio Ribeiro de Melo. Nessa eleição ocorreu um fato inédito na política juazeirense. O candidato a vice-prefeito da chapa adversária, José Gonçalves de Almeida,  não foi eleito, porém teve mais votos do que o candidato a prefeito da sua chapa.

GESTORES COM  MAIS DE UM MANDATO
Padre Cícero, José Geraldo da Cruz, João de Pinho,  Porfírio Lima Filho, Antônio Conserva Feitosa, José Monteiro de Macedo, Mauro Sampaio, Manuel Salviano, Carlos Cruz e Raimundo Macedo.



GESTOR COM  MAIOR TEMPO DE MANDATO: Padre Cícero (de 1911 a 1926)

INTERVENTORES:
Até hoje Juazeiro teve os seguintes interventores: João de Pinho, Zacarias Albuquerque, José Geraldo da Cruz, Cel. Francisco Neri da Costa Morato, Antônio Gonçalves Pita, Possidônio da Silva Bem, Antônio Conserva Feitosa, José de Sousa Menezes, Vicente Bezerra, Porfírio de Lima Filho, José Monteiro de Macedo e Capitãol. Francisco Erivano Cruz.

INTERVENTOR COM MAIOR TEMPO DE MANDADO:
Cel. Antônio Gonçalves Pita. De 11 de novembro de 1937 a 30 de junho de 1943.

INTERVENTOR COM MENOR TEMPO DE MANDATO:
José de Sousa Menezes: apenas oito dias.

GESTOR QUE MAIS VEZES ASSUMIU COMO INTERVENTOR: 
José Geraldo da Cruz: três vezes

PRIMEIRO GESTOR DEPOSTO:
O primeiro gestor deposto da história política de Juazeiro foi justamente o seu primeiro intendente, Padre Cícero Romão Batista. Antigamente era comum o presidente do estado (depois denominado governador) eleito demitir os gestores municipais que não eram do seu partido, substituindo-os por interventores a seu bel prazer. 

GESTORES QUE NÃO ASSUMIRAM: 
José André de Figueiredo, Alfeu Ribeiro Aboim, José Ferreira de Menezes. 
José André não assumiu por motivo nunca esclarecido, embora tenham surgidos fortes indícios de que foi obra de Dr. Floro Bartholomeu da Costa. Alfeu Ribeiro Aboim não assumiu porque mudou de partido logo após a eleição, tendo recebido forte demonstração de repúdio da população. Amedrontado, preferiu renunciar. José Ferreira de Meneses foi eleito, mas impedido de assumir em virtude da Revolução de 30. 

VICE-PREFEITO QUE ASSUMIU MAIS VEZES: José Teófilo Machado, como vice de Humberto Bezerra e de Mauro Sampaio. 
José Roberto Celestino como vice de Santana também assumiu muitas vezes, mas dentro do mesmo mandato. 

VICE-PREFEITO QUE  SE ELEGEU PREFEITO: Até hoje somente Raimundo Macedo.

MÉDICOS PREFEITOS: Até hoje Juazeiro teve oito prefeito médicos: Possidônio da Silva Bem, Antônio Conserva Feitosa, Mauro Castelo Branco Sampaio, Mozart Cardoso de Alencar, Manuel Salviano Sobrinho, Ailton Gomes de Alencar, Raimundo Macedo e Manuel Santana.


         CÂMARA MUNICIPAL
Os primeiros vereadores de Juazeiro, quando ainda não existia oficialmente o nome de Câmara Municipal e sim de Conselho Municipal, foram: Major Fenelon Gonçalves Pita, João Bezerra de Menezes, José Eleutério de Figueiredo, Raimundo Nonato de Oliveira, Tenente-coronel Cicinato José da Silva, Manoel Vitorino da Silva, Ernesto Rabelo e Cel. Fausto da Costa Guimarães. 

O primeiro presidente da Câmara Municipal de Juazeiro ainda com o nome de Conselho Municipal foi Dr. Floro Bartholomeu da Costa. Essa informação, porém, carece de confirmação oficial. Dr. Floro não deixou nenhum escrito em que menciona sua passagem pela Câmara Municipal. 

Os presidentes que exerceram o maior número de mandato foram José Alves de Souza (Cazuza Alves), Raimundo Sá e Sousa e José de Amélia Junior que  foram  eleitos 3 vezes cada um. 

Solange Cruz
A primeira mulher presidente foi Solange Tenório Cruz, eleita para o período 1995/96.











Dona Guidinha e Irmã Neli
As primeiras vereadoras eleitas foram Irmã Neli Sobreira e Margarida Pereira Lima, mais conhecida como Dona Guidinha, uma parteira de renome. Ambas foram eleitas para o período 1948/50. Mas Irmã Neli afastou-se do cargo para seguir a carreira religiosa em que está até hoje. Dona Guidinha continuou e exerceu dois mandatos. 

O vereador que teve maior número de mandatos foi: Raimundo Sá e Sousa, exatamente 11 legislaturas em 46 anos de exercício. Se tivesse sido eleito para mais um mandato teria completado 50 anos como vereador. 

Vereadores que conseguiram se eleger prefeito: João Bezerra de Menezes, José Eleutério de Figueiredo,  Orlando Bezerra de Menezes, Mozart Cardoso de Alencar, Carlos Cruz  e Manuel Santana

OUTRAS CURIOSIDADES POLÍTICAS DE JUAZEIRO
Adauto, Xavier e Humberto
O primeiro deputado estadual filho de Juazeiro foi  Cel. Adauto Bezerra de Menezes.
O primeiro deputado federal filho de Juazeiro foi o Dr. Antônio Xavier de Oliveira, mas foi eleito pelo Rio de Janeiro. O primeiro deputado federal filho de Juazeiro eleito por sua terra natal foi Cel. Humberto Bezerra de Menezes.





Alacoque e Gorete
A primeira mulher filha de Juazeiro a exercer o cargo de senador foi a professora Maria Alacoque Bezerra de Menezes.
A primeira mulher filha de Juazeiro a se eleger deputada estadual e também deputada federal foi a Dra. Gorete Pereira. 







Dr. Floro
O primeiro deputado estadual e também deputado federal representante de Juazeiro foi Dr. Floro Bartholomeu da Costa. Ele era baiano. 



Até hoje nenhuma mulher se elegeu para o cargo de prefeito de Juazeiro. A vereadora Solange Tenório quando presidente da Câmara Municipal assumiu interinamente o cargo de prefeita de Juazeiro no governo de Manuel Salviano.

O coronel que foi interventor de Juazeiro por duas vezes
Para quem gosta de história de Juazeiro aqui está uma novidade. A biografia do Coronel da Polícia Militar Porfírio de Lima Filho que foi interventor de Juazeiro por duas vezes: a primeira, no posto de capitão,  de 20 de setembro de 1933 a 8 de outubro de 1933, nomeado pelo governador Carneiro de Mendonça; e a segunda, no posto de major, de 16 de dezembro de 1946 a 22 de março de 1947, nomeado pelo interventor federal José Machado Lopes. O texto, transcrito abaixo, é de autoria do historiador ten-coronel José Xavier de Holandas, e foi publicado originalmente na revista Sentinela, nº 39-2014, editada pela Associação dos Oficiais Militares da Reserva e Reformados da Polícia Militar do Estado do Ceará, 

PERSONA
Relembrando a nossa História PORFÍRIO DE LIMA FILHO- CEL PM.
Por Ten-cel José Xavier de Holanda

O Cel. PM Porfirio foi escritor, prefeito municipal nomeado das cidades de Juazeiro do Norte (2 vezes), Cedro, Itapipoca e Boa Viagem no Ceara, Delegado de Policia da Capital (1° Circunscrição da Capital - funcionou como Delegado de Ordem Politica e Social) e em várias cidades do Interior; professor da disciplina Instrução Policial nos diversos cursos da PMCE, jornalista. Escrevia e publicava suas crônicas policiais nos jornais "O Nordeste", "O Povo" e na "Revista Policial", atuando nesta ultima como um dos redatores. Foi considerado pelo escritor, jornalista, historiógrafo e Bacharel em Direito Hugo Vitor Guimaraes, piauiense da cidade de Floriano, mas radicado no Ceara, - como o primeiro repórter policial de Fortaleza. Seu trabalho foi importante para consolidação da crônica policial na capital cearense. Na Policia Militar do Ceara galgou todos os postos da hierarquia militar e foi destaque da oficialidade em seu tempo.
Nasceu na cidade de Iguatu--CE, em 23/03/1895, filho de Porfirio Candido de Lima e Maria Rita de Lima. Casou-se com a Sra. Alzira Nunes de Lima e da união conjugal nasceram seis filhos: Porfirio, Maria, Lúcio, Lúcia, Adélia e Maria Cleide.

Quando jovem serviu na Guarda Cívica (Civil) criada pela Resolução Provincial n° 1903, de 03/09/1880, como Escrivão de Polícia e Inspetor de Veículos. Ingressou na amada Polícia Militar do Ceara em 21/12/1923, sendo nomeado 2° Tenente PM. Fez o Curso Técnico na então Escola Profissional da Forca Pública, embrião da Academia de Polícia Militar General Edgard Facó, extinta para dar lugar a atual Academia Estadual da Segurança Pública do Ceara (AESP), criada pelo Decreto Estadual 14.629, de 16/02/2010 e inaugurada no dia 18/05/2011, na Avenida Pre-sidente Costa e Silva, n° 1853, Mondubim, Fortaleza - CE. 

Em 1929, como 2° Tenente, teve a ideia de criar uma Revista Policial, tendo convidado para fazer parte do projeto o então, 1° Delegado Dr. Perboyre e Silva e o Bacharel em Direito José Ribamar Lima. Para a concretização do projeto teve o apoio do Chefe de Policia (atual Secretario de Segurança Pública e Defesa Social) Dr. Mozart Catunda Gondim. A primeira edição (n°01) da Revista Policial veio a lume no dia 25/08/1929, sob a orientação do Chefe de Polícia Mozart Catunda, tendo como Diretor Presidente Gregoriano Cruz (Irmão do Poeta Cruz Filho), Diretor Secretário: 2° Tenente PM Porfírio de Lima Filho e Diretor Técnico: José Ribamar Perez Lima. A Revista Policial foi um periódico técnico-científico de natureza policial, mensal, de rigorosa pontualidade, que divulgava as notícias relativas aos acontecimentos policiais do estado. A colaboração era franqueada a todos. Assuntos, porém, de natureza político-partidária não eram aceitos, por não se enquadrarem no seu programa. A Revista Policial teve a sua pu-blicação encerrada no começo da década de 1960.

Porfírio Lima Filho participou como 1° Ten PM da Revolução de 1930 no Ceara, ao lado do Cel. PM (Comissionado) Edgard Faco (Cmt-Geral da PMCE), Dr°. Mozart Catunda Gondim (Secretario de Policia) e do Major PM Francisco Ribeiro Montenegro (Chefe da Casa Militar do Governo do Estado).
A Revolução de 30 no Ceará teve como desfecho a deposição do Governador do Estado Dr. Jose Carlos de Matos Peixoto (Iguatuense-Prof. de Direito da UFC e da UFRJ), que teve que se refugiar a bordo do Navio Itanajé fundeado ao largo da Praia de Iracema em companhia de sua família e de quase todos os seus auxiliares. Foi substituído no Governo do Estado pelo medico Manoel do Nascimento Fernandes Távora (1° Interventor Federal do Estado do Ceara e pai do Ex-governador Virgílio Távora).
Em 1931 quando exercia a árdua função de Diretor da Casa de Detenção de Fortaleza (EMCE-TUR), Porfírio resolveu enfeixar em livro os trabalhos que publicou no jornal "O Povo", atinentes todos eles relacionados a vida presente e pretérita daquele esta-belecimento prisional. A publicação do livro intitulado "Nos Tempos dos Látegos e dos Grilhões: memoria sobre a Cadeia Publica de Fortaleza 1931" foi lançada em setembro de 1931. Segundo o autor da obra "O livro teve por parte da imprensa e da critica o melhor acolhimento. Só este fato, se não existissem os motivos expostos as primeiras folhas deste livro justificaria o seu aparecimento". Sua 2a edição foi publicada em 1941. 0 livro epigrafado consta de duas partes: 1° Parte: Fatos Históricos (relacionados a Cadeia Pública), 2a Parte: Perfis de Criminosos (Os mais periculosos) e Anexos.

Em 1932, Porfírio Lima foi designado pelo Interventor Federal do Ceará Cap. EB Roberto Carneiro de Mendonça (1931/1934), para participar e combater a "Revolução Constitucionalista" iniciada em 09 de julho de 1932, no Estado de São Paulo, incorporado ao 1° Batalhão Provisório (Comandado por Olímpio Falconiere da Cunha, Capitão do Exército e comissionado Coronel do Corpo de Segurança Pública (PMCE), da qual fazia parte, também, o 1° Tem. BM Jose Benigno Gondim (Ex-Cmt-Geral do Corpo de Bombeiro do Ceara). A Revolução durou 87 dias, até à rendição dos revoltosos, e teve um saldo oficial de 934 mortos, embora as fontes não oficiais afirmarem que o número de mortos chegou a 2200.
A Revolução e considerada por historiadores como um dos maiores conflitos bélicos do Brasil no Sec. XX.
Em 1935, como Diretor Secretário da Revista Policial, Porfirio foi homenageado pela mesma em sua edição n° 12 com o título "A Viga Mestra da Nossa Existência", cujo do conteúdo retiramos essa passagem:
"Tenacidade invulgar, perseverante e vontadoso, Porfírio Lima tornou-se o esteio, o fator decisivo, a célula máter da nossa existência.
Traindo, mau grado, aquela modéstia condenável com que procura esconder as belezas do espírito, as acentuadas carac-terísticas da bela e promissora inteligência de que e portador, constituía uma grande injustiça de nossa parte se fizéssemos si-lenciar neste dia de tão alta significação para nós, o muito que tem feito para manutenção da Revista Policial.
Investido das funções de Redator Secretário da Revista, delas vem o boníssimo companheiro se desempenhando com raro brilho, conosco cooperando, ativamente, na feitura intelectual deste órgão de policia cearense. Aí, não fica, porém, a brilhante atividade do Redator Secretário da Revista Policial, que se desdobra e multiplica, no afã de mantê--la e de dar-lhe vida e projeção."

Em 2013, por iniciativa do Prof. Márcio de Souza Porto (Mestre em Sociologia e Doutorando em História Social - UFC) Diretor do Arquivo Público do Estado do Ceará, o livro do Cel. Porfírio foi reeditado (3a edição). O lançamento aconteceu no dia 15/03/2013, às 18 horas, nos Jardins do Teatro José de Alencar, com apresentação do Prof. Márcio Porto e prefácio dos Professores Francisco Linhares Fonteneles Neto (Prof. Associado II da UFRN e Doutorando em História Social UFRN) e Marcos Luiz Bretas (Prof. Associado I da UFRJ).

Como parte da programação do lançamento do livro aconteceu uma palestra, coordenada pelo Policial PM José de Abreu (Assessor Técnico do Instituto Histórico e Cultural da PMCE) no Salão Nobre do Quartel do Comando Geral da PMCE sob o Tema "História da Polícia no Brasil: Problemas e perspectiva", proferida pelo Prof. Dr. Marcos Bretas, com a presença de praças e oficiais, do Secretário da Cultura Prof. Francisco Pinheiro e deste articulista. Ao final da palestra houve debate com os presentes.
O Cel. PM Porfírio de Lima Filho, passou para a reserva re-munerada da PMCE, no dia 31/10/1945 e faleceu no dia 07/02/1962, aos 67 anos de idade, de colapso cardíaco, retornando nesta data a Pátria Espiritual, onde se encontra ao lado de outros milicianos notáveis, protegidos pelos Anjos Potestades da Milícia Celestial.



O autor do trabalho é pesquisador/historiador, Sócio Honorário do Instituto do Ceará (Histórico, Geográfico e Antropológico).


Juazeiro já foi sede do governo do Ceará
Muita gente não sabe, mas quando estava em curso a chamada Revolução de 14, Dr. Floro Bartholomeu da Costa (foto), na qualidade de Presidente da Assembleia Revolucionária, reuniu-se em Juazeiro com os demais deputados revolucionários e na reunião ficou decidido que ele, Floro, era o novo Presidente do Ceará, e Juazeiro (que não era cidade ainda) a nova Capital do Estado. Essa famosa reunião aconteceu no dia 12 de dezembro de 1913. Juazeiro, Capital do Estado, e Dr. Floro Bartholomeu da Costa, Presidente do Ceará, ficaram nessa condição até o dia 14 de março de 1914, data em que a Revolução de 14 foi encerrada oficialmente, com a nomeação do Interventor do Estado, Cel. Setembrino de Carvalho. Portanto, Juazeiro foi Capital do Estado do Ceará, de 12 de dezembro de 1913 até  14 de março de 1914,  3 meses. 
E para provar que isso é verdade mostramos abaixo um documento que faz parte do nosso acervo em que Floro assina um dos seus últimos atos como presidente do Ceará – a nomeação de Manoel Honorato Cavalcante Filho para exercer o cargo de Coletor Estadual no município de Morada Nova neste estado. O documento foi assinado em 10 de março de 1914, dois dias antes da saída de Floro e da nomeação do interventor do Ceará, Setembrino de Carvalho.  Veja que os atos oficiais assinados por Dr. Floro tinha papel timbrado com o nome de Juazeiro figurando como sendo sede do Palácio do Estado. Já pensou? É por isso que muita gente tem inveja de Juazeiro, como já dizia Padre Cícero. Juazeiro é um mundo, como dizia Monsenhor Murilo!

Brincando de ser juiz
A partir de 1955, em decorrência de nossa mudança de endereço para a Rua Padre Cícero, passei a frequentar quase diariamente o Cartório do 1º Ofício, que ficava a menos de cem metros de nossa casa. Se havia algum serviço a fazer, eu o fazia, também os deveres escolares e, se houvesse companhia, seguia para a praça, em frente, para brincar. Se não aparecesse ninguém aproveitável, eu ficava pelo cartório, procurando o que fazer. As urnas utilizadas nas eleições gerais de 1954 estavam armazenadas na parte posterior do prédio. Eram caixotes retangulares de ferro fundido, pintados de verde e fechados com cadeados. Depois da apuração, era preciso esperar os prazos dos recursos. Esgotados estes e proclamados oficialmente os resultados definitivos, as urnas se transformaram em um brinquedo para mim. Meu pai me entregou as chaves, abri os cadeados e refiz a apuração, urna a urna, anotando os resultados em folhas de papel almaço. Meu pai foi candidato a vereador pelo PTB, contra a vontade dele e acho que foi daí que surgiu meu interesse em recontar a votação. O voto era depositado na urna dentro de pequenos envelopes azuis. O eleitor já conduzia consigo as pequenas chapas, para cada cargo, com o nome do candidato de sua preferência impresso. Aldeziro Maia possuía uma tipografia na Rua São Pedro, vizinho ao Treze, e veio ao cartório entregar 500 chapas com o nome de Expedito Pereira para vereador. Meu pai estranhou:
- O que é isso, Aldeziro?
- Foram os seus amigos que encomendaram. Já está tudo pago.
Ele se conformou, até porque já não havia jeito. Mas se interessou tanto pela candidatura que viajou à capital do Estado às vésperas do dia 3 de outubro, data tradicional das eleições à época. Nem o voto próprio ele teve. Mas foi votado por outros 128 eleitores e ajudou a eleger Miguel Rocha, que ficou à frente dele na mesma legenda, além de Zé Néri, primeiro suplente.
Naquele ano, foram eleitos Paulo Sarasate e Flávio Marcílio, para governador e vice. Manoel Fernandes Távora foi o candidato a senador mais votado. Leão Sampaio o mais lembrado para deputado federal e José Monteiro de Macedo se elegeu para a Assembleia Legislativa, graças aos votos dos juazeirenses. Almino Loiola também se elegeu deputado estadual, mas teve poucos votos por aqui. Dentre os vereadores eleitos, me lembro de Zé Machado, Dr. Mozart, Orlando Bezerra, dr. Ney, Almeidinha, Raimundo Viana, Geraldo Barbosa e Wilson “Papacu”. Mas havia outros. O referido é verdade. Dou fé, com carimbo e tudo.

Chutando o balde do poder
Em 1972 ocorreu um episódio bizarro. Orlando Bezerra foi eleito em 1970 para um mandato-tampão de apenas dois anos e seus familiares estavam todos impedidos de concorrer, por conta da legislação vigente. No auge da ditadura militar, Adauto e Humberto dominavam a política local, aliados a Mauro Sampaio e outras lideranças, com o apoio de 95% do eleitorado. Dizia-se, então, que a oposição, em Juazeiro, cabia em uma Kombi. Espremida, mas cabia. Eram os tempos gloriosos da imponente ARENA contra o minúsculo MDB. Um Golias bombado e malhado contra um mirrado Davi, sem qualquer munição.
Depois de muita boataria e conversas, as negociações políticas fixaram-se em três nomes de pré-candidatos: Dr. Mozart, meu pai e Argemiro Mota. Expedito Pereira não queria ser candidato em hipótese alguma. Admitia participar das negociações por cortesia e dada a sua natureza cordata e conciliatória. Argemiro Mota era proveniente do antigo PSD, partido dos feitosistas, adversários dos udenistas de Zé Bezerra e Zé Geraldo. Um homem de bem, ficha limpa, mas não tinha chances. Sobrava Dr. Mozart. O problema é que ele não era o predileto dos chefões. Era um cidadão de personalidade forte, um profissional respeitado, e poderia erguer uma liderança própria, capaz de futuramente criar embaraços a seus planos políticos. Em razão disso, houve uma carga formidável de pressão em cima de meu pai, para que aceitasse a indicação. Eu já era Juiz de Direito, com jurisdição em Farias Brito, mas pessoalmente participei de reuniões e pelo menos dois almoços no restaurante de Francisquinha, sogra de Mussolini Campelo, ali na José Marrocos, por trás da Prefeitura, em companhia de Mauro Sampaio, Orlando e Leandro Bezerra, Gumercindo Ferreira Lima, Raimundo Sá e Sousa e tantos outros. Meu pai ouvia as ponderações, as promessas, os planos, mas jamais o ouvi dizer que aceitava. Certa vez o abordei:
- Papai, porque o senhor não aceita ser prefeito?
- Porque não estou preparado para enfrentar uma missão como essa.
- Mas eu e Itamar podemos ajudá-lo nos bastidores. Itamar era um primo, filho de Lauro e Santinha, economista de renome na capital, superintendente da SUDEC.
- Meu filho, o poder sempre corrompe.
A partir daí me tornei um aliado dele na ingente tarefa de driblar a indicação, sem ferir as suscetibilidades. Um filho dele, Herialdo, era casado com Regina, filha de Adauto Bezerra, de modo que era necessário agir com sutileza. Não era possível, por exemplo, abrir o jogo e externar as verdadeiras razões da recusa, sem implicar a participação automática dos outros em escusos esquemas dominantes.
No último dia do calendário das convenções partidárias, o prazo final, na hora do almoço, o telefone tocou lá em casa. Meu pai atendeu e, da mesa, a gente ouvia o monólogo repleto de nãos, mas ditos com civilidade e polidez.
- Era Adauto, fazendo um último apelo para que eu aceitasse, me oferecendo todo apoio de que eu precisasse...
À noite, na convenção, o nome do Dr. Mozart foi escolhido. Ele ganhou as eleições com enorme vantagem e tentou administrar o município de forma independente, livre do garrote dos coronéis. Menos de dois anos depois, Adauto governador, foi decretada a intervenção e Erivano Cruz assumiu as rédeas da administração.

O mundo é um círculo
Em 1976 eu era Juiz Zonal do Crato. Neste cargo, minha tarefa era substituir os colegas de férias ou de licença, ou mesmo responder pelo expediente de alguma Comarca vaga, em uma vasta região centrada na Comarca de Crato. Em determinado momento cheguei a acumular os trabalhos em quatro Comarcas diferentes. À noite lecionava na Faculdade de Direito da URCA. Era ano de eleições e estávamos em setembro, em seu terço final. Recebi um telegrama da Presidência do TRE, à época ocupada pelo desembargador Nogueira Sales, me nomeando Juiz Eleitoral da Zona de Missão Velha. Foi uma surpresa, porque eu estava preparado para presidir as eleições de Farias Brito, cujo processo eu dirigira até então.
Aconteceu que o Juiz de Missão Velha, Alberto Calou Torres, diligente, preparado e imparcial, tudo que se pode exigir de um bom magistrado, impugnou por sentença a candidatura de Elce Santana a prefeito municipal porque foi flagrado um incidente de falsidade no livro de filiação partidária. Posteriormente, eu manuseei este livro e constatei que a falsificação foi uma obra grosseira, coisa amadorística. Elce era o favorito disparado para vencer as eleições e desbancar do poder o grupo de Stênio e Senhor Dantas, os donos da política local há anos. Houve uma reação forte entre a população, dada à contrariedade, e Alberto preferiu se licenciar do cargo. Ana Ester, mulher de Elce, foi escolhida como sua substituta e o ambiente estava pegando fogo.
Cheguei a Missão Velha em um sábado à tarde, sozinho, dirigindo meu Chevette. Pedi informações e logo localizei o Cartório Eleitoral. Entrei e me identifiquei à moça que estava por dentro do balcão, solicitando que lavrasse um termo de posse. Bastou em me identificar como Juiz para uma pessoa, que estava encostada ao balcão:
- O senhor é o novo juiz? Pois o prefeito está lá dentro, com as folhas de votação...
Nem ouvi direito e já fui entrando pelo corredor até uma saleta lá atrás. Encontrei Senhor Dantas com o arquivo de folhas de votação de uma seção aberto sobre a mesa. Fiquei em pé ao lado dele:
- O senhor é o prefeito municipal?
- Sou, sim senhor.
- Pois me faça o favor de se retirar imediatamente.
Ele me obedeceu. Peguei o pacote, de folhas, entreguei-o à moça, recriminando-a só com os olhos, cheios de autoridade.
- Qual é seu cargo aqui?
- Sou funcionária eleitoral. O cartório está sem titular...
Saí dali e fui ao cartório do 2° Ofício. Eu conhecia Regilânio, um médico, cuja mãe era a titular. Falei com Régia, irmã dele e perguntei se a mãe poderia ser a escrivã eleitoral.
- Não, doutor. Ela vive doente e além disso temos vários parentes candidatos nesta eleição.
A cada minuto eu sentia que a tarefa seria mais árdua do que imaginara. A cidade estava dividida, a disputa era acirrada e os ânimos acompanhavam bem de perto.
De lá fui ao Primeiro Cartório, perto da saída para Juazeiro. Encontrei Acelino Jácome, a quem jamais vira na vida.
- Como é a situação deste cartório?
- A titularidade está vaga há anos. Minha tia é escrevente substituta, mas está muito idosa e doente, vive prostrada.
- E você é o que?
- Escrevente compromissado. Tenho uma portaria do Juiz da Comarca para responder pelos serviços e assinar os documentos.
- Pois a partir de agora, você é o escrivão eleitoral da Zona. Vamos para o Cartório Eleitoral lavrar os termos de posse. No ano seguinte, Acelino foi meu aluno na URCA. Hoje é Juiz de Direito de uma das Varas da Comarca de Juazeiro. Como diria Dilma, o círculo é redondo...
Quando estávamos finalizando as formalidades, entra no cartório um senhor idoso e se dirige a mim:
- Doutor, queria convidar o senhor a se hospedar em minha casa. Sou muito amigo de seu pai, gosto muito dele. Seria um prazer e uma honra para nós.
Era Zé Norões, a quem não conhecia e de quem nunca ouvira falar. Um grave defeito meu. Aceitei na hora a tão gentil oferta, aliviado por não ter que me hospedar em alguma pensão local, de condições imprevisíveis.
Foi uma eleição trabalhosa, lotada de denúncias de ambos os lados. Viajei por todos os recantos do município, inclusive na serra, checando as condições e adotando providências para que tudo corresse bem. 
No dia da eleição, os incidentes e as denúncias de sempre, cada lado querendo prejudicar os adversários. No fim do dia, urnas recolhidas à agência dos Correios, tive que lacrar todas as portas e janelas do prédio com fita gomada. Assinei tudo e pedi a todos os presentes que também assinassem. Afinal, fora uma exigência deles. Por dentro, eu ria com a marmota. E a Polícia Militar ficou encarregada da vigilância noturna. Desnecessária, porque havia dezenas de interessados, de ambos os lados, acordados a noite toda ao redor do prédio.
No último dia de apuração, fui procurado por Geraldão, pai de Ana Ester:
- Doutor, queremos que o senhor autorize uma passeata da vitória.
Pensei um pouco. Era arriscado, mas era justo. Ao vencedor, as batatas.
- Faça um ofício, solicitando a autorização. E ficam estabelecidas duas condições: é proibido bebida alcoólica e não será permitido passar em frente às casas do prefeito e do candidato adversário. Quero ver o roteiro, junto ao requerimento.
Depois dessa conversa, fui à casa de Senhor Dantas, avisar de minha autorização e pedir colaboração para evitar qualquer confronto. A esposa dele me recebeu mal, como se eu fora responsável pela derrota do candidato da situação, mas o anfitrião se desculpou e me tratou muito bem.
Em eleições é como no futebol. Em caso de derrota, o culpado é sempre o juiz.

Algodão entre as pedras da APUC
Por essa época, havia um grupo enorme de profissionais liberais que se reunia frequentemente na AABB. Jogávamos futsal e, aos sábados, nos encontrávamos para um bate-papo regado a uma cervejinha gelada. Havia um clube de cinema, o Cinejuno, que eu presidia, que funcionava lá as sextas à noite. Nesse contexto, surgiu a ideia de fundarmos um clube, uma associação com fins sociais e culturais. Havia um núcleo, formado por Carlos Macedo, Everardo Menezes, Érico Matos, Limeira, Guálter, Dante e Teive Alencar, Zé Afonso, eu e alguns outros. O nome escolhido foi Associação dos Profissionais Liberais do Cariri – APUC. Como pontapé inicial foi realizado um jogo no Romeirão, com ingressos pagos, entre os profissionais liberais de Juazeiro e Crato. A renda foi destinada ao Orfanato Jesus, Maria e José, na avenida Pe. Cícero. Surgiu então o embate da escolha do presidente do clube. Aílton Gomes era o prefeito e não queria Carlos Macedo na liderança do projeto e este, por sua vez, vetava os nomes apresentados pelo grupo ligado ao prefeito. O impasse ameaçava exterminar a iniciativa no nascedouro. Houve então uma reunião na Usina Zé Bezerra, escritório de Ivan Bezerra. Estávamos presentes eu, Geraldo Barbosa, Carlos Macedo e Ivan. O diálogo não progredia, ninguém queria ceder. Virei-me para Geraldo e sussurrei:
- Por que a gente não coloca Ivan na presidência?
Geraldo se levantou, entusiasmado, e externou a sugestão. Ninguém era louco de se opor e aí o acordo foi selado instantaneamente: Ivan na presidência e Carlos na vice.
Trabalhei durante uma semana e consegui elaborar os estatutos da novel entidade. Veio então a reunião, no auditório do Ginásio Municipal, para debate e deliberação sobre o texto. Tudo correu bem, até que chegou o artigo que definia as exigências para os associados. Meu texto previa que qualquer pessoa poderia filiar-se, desde que comprasse o título de sócio proprietário. Uma ala, liderada por Paulo Machado e dr. Miguel Alencar Furtado, Juiz de Direito de Juazeiro, opinava contra, exigindo dos sócios que possuíssem curso superior, como condição indispensável. Fui derrotado em minha proposta e jamais me conformei com a discriminação. Desiludido, no ano seguinte fui morar em Sobral e vendi meu título a um irmão.

Um efêmero retorno às raízes
Em setembro de 1978 fui promovido a Juiz de Sobral. Mesmo vindo com frequência a Juazeiro, nas férias e nos feriados prolongados, eu perdi contato com o cotidiano do mundo político local. Acompanhei de longe a vitória de Salviano, em 1982, que representou a vitória da facção de Mauro Sampaio sobre a da família Bezerra, já rompidas desde 76, quando Aílton Gomes venceu Doro Germano.
Em 1988, já Juiz da Comarca de Fortaleza foi nomeado pelo TRE para presidir as eleições e apurações de Milagres. Meu primo, Idelmar, viria para Juazeiro, ajudar a Suenon e Darival, então juízes locais. Falei com Idelmar e sugeri uma permuta. Ele me tinha muita consideração e amizade e não colocou a menor objeção. Fomos ao TRE falar com José Maria Melo, presidente do órgão, e poderoso desembargador do Tribunal de Justiça. Quando expliquei-lhe a proposta:
- Mas você é de lá. Sua mãe é titular do Cartório...
- Mas não do Eleitoral. Além do mais, sou amigo de todos os candidatos. Você não confia em mim?
- ´Tá louco. No Tribunal, todos admiram vocês dois. São juízes competentes e trabalhadores.
Saímos de lá com as nomeações redefinidas e garantidas.
Em Juazeiro, a disputa era renhida: Carlos Cruz, apoiado por um Salviano amparado na repercussão positiva de uma excelente e inovadora administração, contra Zé Arnon, um político iniciante que fizera um brilhante trabalho como Secretário de Saúde, apoiado pela facção bezerrista.
Cheguei à cidade cinco dias antes das eleições e me instalei no Fórum, então na rua São Pedro, logo abaixo da rua do Cruzeiro. Deu para sentir imediatamente o clima de hostilidade entre as forças disputantes. A campanha fora marcada por episódios como o do “elefante branco”, um suposto deslize verbal cometido por Carlos Macedo, vice da chapa de Arnon, em um discurso, de que se aproveitaram os adversários para impingir-lhe a acusação de que se referira ao intocável nome do Padre Cícero com uma expressão pejorativa. Os ânimos, pois, estavam exaltados. Tanto que o TRE solicitou e o governo federal enviou tropas do Exército para cá, ocorrência incomum ao longo da história.
Como Juiz da capital e mais experiente, com várias eleições no currículo, combinei com os colegas e adotei algumas decisões, simples mas eficazes. Como a tropa federal enviada era reduzida, convocamos o Tiro de Guerra para auxiliá-la no dia da eleição. Organizei o cadastramento de delegados e fiscais da apuração. Alguns presidentes de mesas receptoras, apesar de oficialmente notificados, ainda não haviam comparecido para apanhar o material no Cartório Eleitoral e provavelmente não compareceriam, criando mais um problema para o já complicado e atarefado dia do pleito. Solicitei um veículo, montei uma equipe de improviso, dois servidores do Cartório, chamei o major responsável e um soldado e fomos, de casa em casa, entregando a meia dúzia de material que faltava. Nenhum se recusou a receber. E alguns ainda nos ofereceram água e cafezinho.
No dia da eleição, me dirigi cedo para o Fórum. Sempre há incidentes a decidir em cima da hora e é bom ser previdente. Dar o exemplo, pois eleição é coisa séria. O processo de votação começou às oito horas, como é de praxe. Meia hora depois, chega uma pessoa esbaforida:
- ´Tá a maior confusão nos Franciscanos...
O Ginásio São Francisco, muito amplo, comportava cerca de doze seções eleitorais, uma ao lado da outra. Nas circunstâncias, era um barril de pólvora.
Chamei o major e uns quatro soldados, pegamos o veículo do Exército e seguimos para lá.
Havia uma pequena multidão concentrada fora dos portões e outra, maior, dentro. Entrei no recinto e tentei perceber o que ocorria. Logo concluí que o problema era a enorme quantidade de “cabos eleitorais” misturados aos eleitores, com visíveis propósitos de influenciá-los no momento decisivo de enfiar a cédula na cavidade. O famoso golpe da “boca de urna”, atitude condenável, criminosa.
Acompanhado pela tropa, metralhadoras em punho, percorri todo o espaço interno da escola, avisando que somente poderiam permanecer  os eleitores das seções ali localizadas e o pessoal das mesas receptoras, inclusive fiscais e delegados, desde que identificados com crachás oficiais. Sem alternativa, o pessoal de presença indesejável se retirou. Os mais renitentes foram Lurdes Morais, Antônio Balbino e Gumercindo Filho, tudo gente amiga e conhecida, mas não haveria exceções. Feita a limpeza interna, determinei que uma dupla de soldados se postasse no portão de entrada do prédio. A partir dali só era permitida a entrada de eleitores das seções e pessoas autorizadas. Foi um santo remédio. A eleição, ali fluiu tranquila e calma até o final do processo, às cinco da tarde.
De lá, fomos ao Ginásio Salesiano, também local de votação com inúmeras seções e forte potencial para tumultos. Fizemos o mesmo trabalho de assepsia cívica e prevenção. De volta ao Fórum, solicitei uma relação com diversos locais que acumulavam quatro ou mais seções e a entreguei ao major, instruindo-o de que se utilizasse dos componentes do Tiro de Guerra para vigilância e fiscalização das entradas. Deu tudo certo.
O restante do dia transcorreu calmo, sem qualquer transtorno de monta. Ainda houve uma denúncia de irregularidade em uma seção rural, acho que no sítio Sabiá, mas quando chegamos lá tudo estava em ordem.
Recebemos as urnas na AABB, local da apuração. Permaneceram lá armazenadas, sob custódia da tropa federal e olhos atentos de diversos eleitores interessados, que ali pernoitaram, desconfiados.
Na manhã seguinte, os trabalhos se iniciariam às oito horas. Cheguei uma hora antes e comecei a adotar providências. A apuração seria manual, como sempre, e eu chequei todos os detalhes apara que não ocorressem surpresas de última hora. Lá de fora vinha um rumor cada vez mais crescente que eu não conseguia identificar. Até que resolvi sair para ver o que ocorria. Fiquei estupefato. No topo da escada que dá acesso ao térreo estava postado o pelotão da tropa, armas de prontidão. A escada estava entupida de gente que se acotovelava, se empurrava, se queixava, se amassava, todos presos e encurralados, como sardinhas em uma latinha. Fui até lá e autorizei a entrada dos candidatos a prefeito e vice, fiscais naturais e maiores interessados na apuração; dos representantes do povo, como o deputado estadual Orlando Bezerra e vários vereadores a quem reconheci. Esta iniciativa aliviou o sufoco na escada e acalmou os ânimos excitados, dada sua natureza imparcial. Instantes depois, ouvidos os colegas juízes, foi permitida também a entrada de delegados e fiscais partidários, previamente cadastrados. Em seguida, a apuração foi iniciada. Houve tensão apenas no primeiro dia, mas logo ficou evidente que Carlos Cruz venceria com uma margem folgada de votos e o ambiente desanuviou-se. 
No transcorrer da apuração, fiquei um momento a sós com Mauro, na sacada de onde se avista os bairros Lagoa Seca e Jardim Gonzaga, separados pela antiga estrada Juazeiro-Barbalha:
- Mauro, sabe o nome dessa estrada?
- Sei. O nome de meu pai, Leão Sampaio.
- É... mas todos chamam de rodovia da morte. Isso precisa acabar.
Três anos depois, Ciro Gomes veio inaugurar a nova e moderna rodovia estadual, conhecida como avenida Leão Sampaio, cujas obras foram iniciadas ainda na gestão de Tasso, no ano anterior.
Em outra ocasião, já nos estertores da apuração, Sá e Sousa apareceu com um exemplar do “O Povo” e perguntei como estava a situação em Fortaleza:
- Ciro já ultrapassou Édson Silva. Parece que vai ganhar...
- Já ganhou. E fique certo de que ele será o futuro governador do Estado.
Acertei na mosca.
Antes de viajar de volta a Fortaleza, me encontrei com Neli Pereira na praça. Ela me disse que estivera com Orlando e que ele dissera:
- Aquele teu primo é um gentleman. 
Na verdade, era só bom-senso e experiência acumulada.

A volta definitiva ao lar
Depois que me aposentei desiludido com a magistratura e magoado por conta de três episódios, um no TRE e dois no Tribunal de Justiça, nos quais me senti injustificadamente injustiçado, voltei para Juazeiro com a família, as bagagens, o gato e os cachorros.
Acatei uma sugestão de Vanderlei Landim e abrimos um pequeno escritório de advocacia  na Padre Cícero. Carlos Cruz era o prefeito e comandava uma administração populista, empreguista e clientelista, que somente não era mais desastrosa por falta de tempo.
Como advogado eu andava pela cidade toda e conversava com pessoas das mais variadas escalas sociais e logo cheguei à conclusão, consultando o meu ibope particular e pessoal, de que a população juazeirense ansiava pela volta de Salviano à Prefeitura.
Na passagem de ano de 90 para 91, recebi a visita de Mauro e Salviano. Conversamos e indaguei-lhes se não estavam interessados em fundar o PSDB local. Este partido, uma costela formada pelo que de melhor havia no PMDB nacional à época possuía uma mensagem política moderna, pregando a moralidade, a ética política, o liberalismo, a valorização do indivíduo, a diminuição do Estado e o predomínio da livre iniciativa e do mercado liberto da praga do intervencionismo estatal, sem esquecer, contudo, o combate às desigualdades sociais, pelo aperfeiçoamento das regras de controle. 
Salviano me disse que providenciaria a papelada necessária e que eu seria o presidente da Comissão Provisória de instalação do partido. Aceitei a missão e conduzi o processo, filiando muita gente que compunha o círculo político de Salviano desde a sua administração.

Um jantar para gourmets
Nos anos 90 iniciais, Ciro Gomes era o governador e veio ao Cariri em uma Semana Santa, visitar obras e fazer contatos políticos. Era a sexta-feira e, depois de várias reuniões e discursos em diversas cidades da região, aquela canseira, resolveram sair para jantar, lá pelas onze da noite. Era um grupo de umas oito pessoas, formado por Ciro, assessores, Carlos Cruz, então prefeito, o presidente da Câmara e senhoras. Dirigiram-se ao Restô Jardim, principal ponto de encontro da sociedade, ainda sob a administração de Jéferson Júnior. Quando Ciro leu o cardápio:
- Ôba, um restaurante com padrão internacional... admirou-se.
Cada um escolheu seu prato e fizeram os pedidos.
Cerca de meia-hora depois, o garçom voltou:
- Infelizmente, os pratos que vocês pediram não podem mais sair.
Decepcionados, trataram de fazer novas escolhas:
- Tem esse peixe aqui?
- Não senhor.
- Tem essa carne com tempero de ervas finas?
- Não senhor.
Cansado e faminto, Ciro então perguntou:
- Meu amigo, pra gente não perder mais tempo, o que é que pode sair?
- Só isca de peixe...
- Pois então traga iscas de peixe para todo mundo.
O padrão internacional já fora esquecido. Pelo menos não sairiam dali de barriga vazia. Outra meia-hora depois, o garçom voltou com cara de funeral:
- Infelizmente, as iscas de peixe se acabaram.
Frustrado e sonolento, já passando muito da meia-noite, Ciro ainda teve que ouvir uma galhofa final de Carlos, ao entrar no carro oficial:
- Ciro, vê se arranja umas bolachas creme-craque e um guaraná lá no Panorama...

Uma memorável campanha I: pela porta dos fundos
Em 1992 definiram-se as candidaturas de Salviano, pela oposição, e de Mauro Sampaio, pela situação. A dinâmica da política mais uma vez dava provas de exuberância. Salviano me convidou para ser o assessor jurídico da campanha e eu aceitei, começando a atolar meus pés na política local.
Em setembro, a um mês das eleições, o presidente do TRE, Ernani Barreira, veio a Juazeiro para uma reunião com os candidatos, às nove horas, no hotel Panorama. Cheguei lá com dez minutos de antecedência e encontrei Wilton Almeida:
- Cadê Salviano?
- Disse que não vinha. Está lá pros lados do Novo Juazeiro, fazendo corpo-a-corpo.
Fiquei abismado. Peguei meu carro e voei para lá. O Novo Juazeiro ainda era um bairro em construção. Dei algumas voltas e findei por encontrá-lo, sozinho, sob o sol quente, de boné, batendo de casa em casa e distribuindo santinhos de campanha. Parei ao lado dele:
- Entra aí, Salviano. 
- Vamos pra onde?
- Para o Panorama. Trata-se do presidente do Tribunal Eleitoral, homem. Além do mais, você não precisa de nada disso. Você está com a eleição ganha, com muita folga. Basta não cometer nenhum erro grave. Ele se convenceu e entrou. Ainda me lembro das palavras iniciais de Ernâni, em sua fala:
- Eu sei que entrei no Tribunal pela porta dos fundos...
Uma memorável campanha – II: os outdoors da discórdia
Collor de Melo enfrentava o processo de impeachment no Congresso, por conta do escândalo envolvendo seu tesoureiro de campanha, Paulo César Farias. Aproveitamos a deixa e criamos um evento: uma passeata contra a corrupção. Foi um estrondoso sucesso. Descemos a Rua São Pedro a pé, com vasto acompanhamento de veículos de todo tipo, desde a Castelo Branco, contornamos a Praça Almirante Alexandrino e terminamos nas imediações do Memorial. Cada participante exibia um detalhe em preto na roupa, símbolo da intenção de protestar contra a corrupção em Brasília. Quem conhecia o ramo, afirmava que havia mais de dez mil pessoas no desfile. A passeata das flores de dr. Feitosa, em 1958, gerara um filhote robusto.
Passados alguns dias, apareceram espalhados pelas principais vias de acesso à cidade, os outdoors falando da morte de Soraya e clamando pela punição de Paulinho Ceará, filho de Mauro, indiciado como réu no rumoroso caso de duplo assassinato que assombrou e revoltou a sociedade caririense uns anos antes. A repercussão foi enorme na cidade. Falei com Salviano e ele me garantiu que fora iniciativa da família de Soraya, que ele nada tinha a ver com o episódio. Não tive como duvidar.
Dias após, fui convocado para uma reunião com o juiz eleitoral, Carlos Feitosa, em uma sala do Memorial. Estavam presentes Carlos Cruz, Mauro Sampaio e dois advogados da coligação deles. Eu e Jônio Sampaio representávamos o PSDB. O principal foco eram os outdoors. O juiz queria que a gente os retirasse. Argumentei que não fôramos nós quem os colocaram e que, portanto, não nos cabia a retirada. Os ânimos se exaltaram. O juiz acintosamente bateu com o punho na mesa:
- Parece que em Juazeiro não tem gente educada.
- Os que vêm de fora são piores, excelência. E também esmurrei a mesa em resposta.
Sua excelência se descontrolou e disse que a partir dali estavam suspensos os programas radiofônicos, da propaganda eleitoral gratuita; estavam suspensos os comícios, até segunda ordem e que nossa coligação dispunha de 24 horas para retirar os outdoors.
- O senhor está me comunicando tudo isso verbalmente e eu, também verbalmente, estou recorrendo desde já ao TRE.
A reunião terminou em clima de animosidade. À saída, emparelhado com Carlos Cruz e Mauro, ainda fui suficientemente desaforado para comentar:
- Não entendi porque vocês não defenderam o Juazeiro daquele ataque despropositado...
Ambos fizeram cara de paisagem e me ignoraram.
O TRE acatou o recurso que eu e Sérgio Gurgel fizemos, via telex, e derrubou as decisões do juiz. Mas Salviano, para evitar mais contratempos, conseguiu convencer a família e providenciou a retirada dos polêmicos outdoors.

Uma memorável campanha-III: New York é aqui
Certa noite, atendi a um convite de um grupo de intelectuais e artistas locais e me reuni com eles no SESC. Depois que fiz uma explanação superficial, mas genérica, sobre os planos da futura administração para o setor, o artista plástico Petrônio observou:
- Dr. Sávio, parece que o senhor pensa que está em New York?
- Não. Mas a gente tem que trabalhar como se estivesse lá.
Hoje eu reconheço que era um sonho impossível. Nossa realidade cultural, com raros bolsões de exceção, são os cordéis, o artesanato, as xilogravuras, os reisados, as bandas de pífaro, as lapinhas e similares.


Uma mancha indelével
A carreata final foi uma apoteose. Quando percorremos a Rua São Benedito, tivemos a dimensão exata da vitória folgada. O povo delirava nas esquinas apinhadas. Salviano parecia um pop-star, caminhando à frente do cortejo, acenando para a multidão. 
Depois de uma eleição tranquila e de uma apuração mais serena ainda, comemoramos a vitória na casa de Carlão. Uma festa improvisada, com muita gente, a maioria cansada dos esforços.
Dias após, houve uma recepção mais formal na casa de Dedé Tavares. Quando cheguei, vi que Salviano estava reunido com um grupo de amigos lá na parte mais baixa. Quando me aproximei, ele me apontou:
- Aí está um que sempre me alertou que eu venceria por uma larga margem de votos.
Deduzi logo que ele se referia a um empréstimo financeiro de última hora, para enfrentar despesas não contábeis, que eu condenara por julgar totalmente desnecessário e, pior, antiético.
Semanas depois, recebi a visita de Salviano e Arnon. Conversamos, e ele:
- Sávio, estamos aqui para lhe oferecer a Procuradoria Geral do Município ou a Secretaria de Cultura e Desportos. Você escolhe.
Não pensei nem um segundo:
- Prefiro a Secretaria. Quero mais é fugir de problemas judiciais.
Ficaram surpresos, mas sabiam que eu passara uns dois meses me reunindo com uma equipe, planejando o que seria o desempenho futuro da administração nos setores de Cultura e Esportes.

O ausente presente
No dia da posse, compareci à Câmara de Vereadores. Havia uma questão pendente, em torno da possibilidade de Arnon acumular legalmente o cargo de deputado com o de vice-prefeito. Um assunto polêmico, sobre que inexistia uma norma ou mesmo uma jurisprudência definidora. Ele foi esperto e ingressou em juízo, solicitando uma solução judicial. Com a maioria controlada por Salviano, a Câmara lhe deu posse. 
Achei a solenidade aborrecida: espaço exíguo, gente em demasia, muita confusão, muito calor. Parecia a escada da AABB.
Élida me comunicara que à noite, no auditório do Memorial haveria outra solenidade de posse. Ressabiado pela experiência matinal, preferi faltar e ir direto para o Restô Jardim, onde haveria um encontro mais saboroso depois da solenidade.
Estava lá com Orlete, quando a comitiva começou a chegar. Quando me viu, de longe mesmo, Salviano:
- Além da Secretaria de Cultura, você vai acumular a Secretaria de Educação.
Ele sabia mesmo como agradar. Solange Tenório deveria ser a secretária de Educação, mas, na última hora, houve um veto incontornável e sobrou para mim.
Wilton Almeida me disse que, no Memorial, quando chamaram meu nome e eu não apareci, o governador Tasso Jereissati, de cuja presença, se eu soubera antes, teria ido, para prestigiá-lo, comentou:
- Este aí começou bem...
E foi então que Salviano fez o anúncio da acumulação. O Galeguim deve ter ficado perplexo.

Aprendiz de administrador
A experiência como secretário de Educação foi frustrante desde o primeiro dia. Conheci e me cerquei de gente disposta a fazer um bom trabalho, como Nailê Feitosa, mas a realidade da escola pública é inviável. O salário de professores e servidores é irrisório, o que, de cara, afasta os melhores quadros para outras carreiras mais compensadoras. Claro que há os vocacionados, que se esforçam, se preocupam com a qualidade do ensino como fator de propulsão para uma sonhada ascensão social via conhecimento. Mas estes são a exceção. Para piorar o que já é péssimo, os administradores adotaram o costume de nomear diretores e secretários escolares a partir do quadro de professores. Pelo perverso critério do apadrinhamento, desfalcam as escolas de alguns de seus melhores profissionais, que precisam ser substituídos por novatos despreparados, inexperientes. A primeira conclusão a que cheguei foi que o sonho de quase todos os professores era sair da sala de aula, seja lá o que os motivava para essa fuga.
Uma semana após minha posse na Educação, Salviano apareceu na Secretaria, localizada no Poliesportivo:
- Vamos preencher os cargos da Secretaria.
Sentamo-nos, ele, eu e Nailê e passamos a escolher diretores, vices e secretários das unidades escolares e o pessoal administrativo da própria Secretaria. Eu apenas concordava com as sugestões dele ou de Nailê, pois conhecia poucos nomes relacionados. Quando se aproximou de meio-dia, os trabalhos apenas iniciados:
- Salviano, meu relógio biológico me obriga a almoçar ao meio-dia. Vamos interromper e depois continuar?
- Não. Vamos aproveitar e fazer tudo de uma vez.
Não me dei tempo nem de refletir:
- Pois você fica aí com a Nailê, que eu vou em casa.
Depois, soube que ele comentara a meu respeito que eu era um filósofo preguiçoso. Houvesse ele usado o adjetivo entediado, teria se aproximado de definir meu estado de espírito à época com mais exatidão. Eu era mesmo um estranho no ninho da Educação.

Acreditava, e ainda acredito, que apenas um choque revolucionário no setor educacional pode alavancar o desenvolvimento sustentável deste gigante adormecido. Infelizmente, o primeiro passo dessa radical transformação ainda não foi dado, o que nos condena a ser um eterno “país do futuro”. Um futuro que jamais se concretizará, mantidas as atuais condições de temperatura e pressão. Ninguém me convencerá de que não exista um “sistema” perverso por trás dessa cruel realidade, com intenção explícita de manter o grosso da população jovem na ignorância. É o ancestral lema: “Dá-lhes pão e circo”. Desse “sistema” fazem parte as igrejas, os políticos e outras instituições poderosas, interessadas na manutenção do status quo. Some-se a isso a alienação de pais e professores, que acham que está tudo bem, e o quadro está completo. Certa vez, expus esta tese a Salviano:
- Você não é louco de pensar numa bobagem dessa?
- Sou. As soluções para uma transformação na educação, a começar pela adoção do regime de tempo integral, não são um bicho de sete cabeças. Tem que haver algo mais sórdido a impedi-las.
Na Secretaria de Cultura, minha atuação foi mais gratificante. Criamos os jogos estudantis – Jejuno´s – que, durante os quatro anos, foi um evento bem sucedido, com maciça adesão das escolas públicas e privadas, cuja integração social era o objetivo maior dos jogos. O Ginásio Poliesportivo fervilhava de crianças e adolescentes empolgados com a grata novidade. A intenção era que os jogos, dado o sucesso da fórmula, se eternizassem. Juazeiro não possui eventos tradicionais significativos. O Crato tem a Exposição. Barbalha tem a festa de Santo Antônio. Juazeiro não tem nada. Os Jejuno´s poderiam preencher tal lacuna. Minha maior decepção, com a administração municipal e com os corpos discente e docente das escolas envolvidas, é ver que um projeto simples e eficaz como esse não vingou, não recebeu a devida atenção, minguou ao longo dos anos e hoje é uma pálida lembrança. Uma lástima.

Logo no início da administração, Salviano acenou com a possibilidade de criar um Instituto Municipal de Previdência. A nova Constituição Federal, a “cidadã”, criara a possibilidade. Aderi desde logo à ideia, convicto de que era o melhor caminho. A previdência oficial, o INSS, era uma instituição caótica, deficitário, dominada pela politicagem, onde vicejava a corrupção. A municipalização, se bem administrada, era uma tentativa atraente de obter melhores resultados. A lei foi redigida, enviada à Câmara e aprovada. Alegando irregularidades formais na tramitação do projeto, três vereadores oponentes, Zé de Amélia, Fran Pereira e Gilson de Sousa, recorreram ao Judiciário e o projeto foi travado até que a Justiça decidisse. Entrementes, Salviano determinou a abertura de uma conta e passou a depositar os descontos previdenciários mensais, da municipalidade e dos servidores.

Uma aquisição valiosa
Na Semana Santa, Ciro Gomes, governador, estava em Juazeiro. O plano era subirmos ao Horto, na sexta pela manhã, uma antiga tradição da população juazeirense. O encontro foi na Praça do Memorial. Atravessamos o prédio por dentro do salão de exposições, o Museu. Quando chegamos em frente à coleção de dez magníficas pinturas de Marcus Jussier, retratando sinteticamente a trajetória de vida do padre Cícero, que Marcus produzira especialmente para expor em evento incluso na programação oficial do sesquicentenário, paramos e nos quedamos a admirá-las. Eu arrisquei:
- Ciro, estes quadros não podem mais sair de Juazeiro. Já fazem parte de nosso patrimônio cultural.
- E o que está faltando?
- Dinheiro para comprá-las. São trinta mil reais, a coleção.
- Faça um ofício para a Secult e me ligue avisando...
Sem querer, atropelei as pretensões de Salviano, que planejara pedir algumas obras ao governador, aproveitando a visita. No fim, deu tudo certo. Salviano conseguiu as obras e Juazeiro recebeu de presente uma mostra extraordinária do talento do artista plástico mais bem sucedido de sua história e que está até hoje lá no Memorial, à disposição de quem sabe apreciar a beleza.

O embrião da FMJ
No transcorrer do ano de 1994, o Cirão estava pronto, obra da administração de Ciro no governo do Estado. Salviano reuniu todo o primeiro escalão e fomos visitar o prédio, totalmente desocupado, na companhia do almirante Ernani Aboim, juazeirense nato, residente no Rio de Janeiro. Matreiro, o prefeito homenagearia o almirante, batizando com seu nome o laboratório de física e química da nova escola e lhe pediria a doação de todo o equipamento necessário ao funcionamento do laboratório. Após os discursos informais, o almirante se comprometeu a doar o material e nos surpreendeu:
- Vocês já pensaram em abrir uma Faculdade de Medicina em Juazeiro?
Ninguém sequer sonhara com isso. Era uma ideia absolutamente nova e chegava a nós a bordo de uma oferta oriunda de uma autoridade que possuía credenciais federais elevadas.
- Faço parte do Conselho Nacional de Saúde, mas conheço os componentes do Conselho Nacional de Educação e vou levar a sugestão para ver como será recebida, concluiu o generoso almirante conterrâneo.
A Universidade carioca Estácio de Sá comprou a ideia e findou por abrir em Juazeiro a FMJ, Faculdade de Medicina que foi o pontapé inicial para a verdadeira revolução que transformou a cidade em um canteiro de obras, alargando os limites urbanos e verticalizando gradualmente o seu perfil.

Picos sobre o vale
Um dos pontos altos da segunda administração de Salviano foi a criação do Parque Ecológico. Mesmo reduzido a uma pequena fração do que deveria ser o verdadeiro parque, o espaço correspondente à bacia do riacho da Timbaúba, foi um primeiro passo que, se tivesse recebido o apoio das administrações subsequentes, teria dotado a cidade de um bem de valor inestimável, uma joia rara e preciosa destinada à garantia da qualidade de vida das futuras gerações de juazeirenses. Infelizmente, predominaram a mesquinharia politiqueira, a ausência de visão estratégica no planejamento urbano e, até diria, a falta de amor a esta cidade tão explorada quanto mal recompensada pelos beneficiários de sua hospitalidade e da pujança de seu potencial econômico-financeiro. A inconclusão do Parque Ecológico é um tapa na cara da cidadania juazeirense. A população, hoje em dia, se manifesta nas ruas pelos motivos mais banais. Por que não se grita pedindo a continuação dessa obra essencial? Mais uma lástima a acrescentar no rosário.
Outros pontos elevados foram a Festa do Sesquicentenário, até hoje subestimada por quem não a vivenciou nem a acompanhou, desconhecendo que foi o evento melhor organizado e culturalmente mais relevante da história da cidade. A apresentação da orquestra sinfônica de João Pessoa no Memorial superlotado e a solenidade de entrega dos troféus do sesquicentenário, na capela do Socorro, por exemplo, foram eventos suficientemente grandiosos para trazer orgulho aos juazeirenses mais exigentes; a arborização urbana com fícus, graças ao empenho de Mara Cordeiro e sua equipe; a construção dos arcos ao redor da Matriz, replicando o belo trabalho de Fidel Tenório na festa do Sesquicentenário e dotando aquele logradouro de um novo e impactante visual.

Saindo pela entrada
Desde inícios de 95 eu alertava Salviano de que, pelas conversas na rua, a tendência era o eleitorado juazeirense votar maciçamente em Mauro para prefeito. Essa impressão só fez crescer ao longo dos meses. Apesar de ser palpável a preferência da população, havia pelo menos uns quatro pré-candidatos situacionistas ao redor do prefeito. No fim, Zé Arnon venceu a concorrência e foi apontado para a disputa. Fui escalado, mas recusei fazer parte do comitê de campanha, convicto de que era trabalho perdido e, sem entusiasmo, não rendo coisa alguma em campanha eleitoral. Cheguei a ser expulso de uma reunião na reta final da campanha, após um discurso realista, taxado de pessimista e pé-frio, embora os termos utilizados na ocasião não fossem assim elegantes. Aquela foi a primeira eleição municipal em que ocorreu a apuração eletrônica que, por sinal, foi anulada, para vereador, e recontada, porque houve uma fraude grotesca. Previsivelmente, Mauro ganhou com facilidade e Arnon ainda perdeu o segundo lugar para Carlos Cruz, que, de última hora, inventou uma senha carimbada com a imagem de um imóvel, para que o eleitor ingênuo acreditasse que aquilo valia como um compromisso de doação de casa própria. Quando querem, nossos políticos são muito imaginativos e criativos, principalmente em benefício próprio.

Nuvens escuras no céu de dezembro
Em novembro de 96, logo após a eleição de Mauro Sampaio, chegou a notícia de que o Tribunal de Justiça havia decidido a causa e que o Município poderia finalmente instalar o sonhado instituto previdenciário próprio. Em reunião no gabinete, soube que Liberal seria nomeado presidente do órgão. Fiz ver a Salviano que a lei exigia que o presidente fosse formado em Direito, o que não era o caso de Liberal, e que além disso, eu pedira e ele me prometera a nomeação, anos atrás.
- Procure Liberal e combine com ele.
Falei com Liberal, meu amigo desde os bancos escolares no Salesiano, e ele concordou comigo. Fui nomeado presidente temporário, de acordo com a legislação, com a função de preparar a documentação para a instalação definitiva do instituto, tarefa a que me dediquei imediatamente.
No dia 31 de dezembro, pelas 21 horas, recebi um telefonema de Liberal me convidando para uma reunião no gabinete do prefeito. Achei insólito, estranhei, mas fui, porque era inadiável. Chegando lá, encontrei Salviano, Catarino e Liberal reunidos:
- Qual é o problema?
- Sávio, como presidente temporário do futuro instituto, você precisa saber de alguns detalhes...
- Que tipo de detalhes?
- Sabe a verba descontada para a previdência nestes três anos? Ela foi gasta.
- Gasta como?
- Com a reforma da Praça da Matriz, com a construção da escola João Alencar, com as desapropriações do Parque Ecológico...
- Não acredito... Salviano, o gasto da verba descontada dos salários dos servidores constitui crime de apropriação indébita. Está no Código Penal.
- Agora é tarde, já está feito. Pedi a Catarino para elaborar um documento para sanar a situação.
- E que documento é esse?
- Uma escritura de confissão de dívida. O Município reconhece que deve ao instituto e que se compromete a pagar em 120 parcelas, explicou o contador.
- E nós chamamos você aqui para ter conhecimento e assinar o documento.
Muito cômodo, pensei. Gasta-se o dinheiro e joga-se a responsabilidade do ressarcimento sobre o sucessor. Por dentro, eu fervia de indignação, mas não é de meu feitio criar caso, principalmente porque se tratava de um fato consumado. Agora entendia porque Salviano, que sempre me teve elevada consideração, queria me afastar da presidência do órgão. Ele deveria ter aberto o jogo comigo. Eu não faria a menor objeção, porque meu interesse não era pessoal. Acho que lhe faltou coragem de me confessar o que agora ele era obrigado a me revelar.
Quando Catarino finalizou o documento e me trouxe para conferir, pedi-lhe que refizesse a última folha, das assinaturas, pois eu assinaria como “Ciente” e não como parte contratante, como constava na versão original. E assim foi feito. Saí de lá com minha cópia e fui direto à casa de Luis Carlos, titular do 1º Cartório, e meu cunhado, e entreguei-lhe o papel, pedindo-lhe que providenciasse ainda naquela noite o registro da escritura no livro de Títulos e Documentos. Eu já antevia que nuvens escuras se formavam em meu céu. Depois voltei para casa, me preparar para a festa do primeiro réveillon do Hotel Verde Vale, recém-inaugurado.

Portador não merece pancada
Uns quinze dias depois da posse de Mauro fui à Prefeitura, falei com ele no gabinete, narrei toda a história e lhe passei uma cópia da confissão de dívida. Ele ensaiou um chilique de irritação, mas respondi à altura, avisando que era apenas o mensageiro. Ele se acalmou e pediu para que eu voltasse quinze dias após, que ele estudaria a situação. A partir daí, ele me colocou em um jogo de empurra-empurra, me pedindo para falar seguidamente com Daltro Alencar, Fernando Sampaio, Dedé Carneiro e outros. Agi pacientemente, sem entender o porquê de tanta hesitação e demora, uma vez que o mesmo Catarino era o contador da administração dele e poderia facilmente explicar tudo.
Na Semana Santa estive em Fortaleza e lá, depois de refletir, tomei a decisão de judicializar a questão, caso minha próxima conversa com o prefeito resultasse inútil. Quando conversei com Mauro, ele me pediu que eu fosse falar com Domingos Filho, no hotel Verde Vale, em reunião marcada para uma semana depois. Fui e expliquei todo o roteiro ao deputado. Quando terminei, ele me olhou e disse:
- Doutor, vamos fazer uma consulta ao Tribunal de Contas...
- Não. O senhor vai fazer a consulta. Eu vou procurar outro caminho.
Despedi-me e fui embora. A consulta jamais ocorreu. Eu já estava com tudo preparado. No dia seguinte ingressei em Juízo com duas ações, em nome do Instituto: um mandado de segurança, para obrigar o Município a cumprir a lei que criava o órgão e uma ação executiva do contrato de confissão de dívida, para que o Município cumprisse o que prometera.
Quando o prefeito foi citado, caiu na real. Não poderia mais protelar a situação, como viera fazendo. Certo dia, apareceram em minha casa Salviano e Catarino. Expliquei-lhes que não havia interesse pessoal envolvido. Eu fora nomeado presidente do Instituto e estava cumprindo meu dever. Caso contrário, poderia até ser acusado de prevaricação.
Ficou acertado que haveria uma reunião no dia seguinte, na casa de Salviano, com a presença de Mauro. Lá, conversamos e Mauro espanou meu ego e adubou minha autoestima afirmando que em mim confiava, mas temia pelos futuros gestores, e findou por dizer que, diante das circunstâncias, ele preferia extinguir o Instituto. Respondi que não faria a menor objeção. No momento em que eu visse o ato de extinção publicado no Diário Oficial, eu desistiria das ações impetradas, até por falta de objeto.
Aproximadamente um mês depois, fui procurado pela advogada Virlene Rolim, com a cópia do D.O. com o ato de extinção. No dia seguinte, cumpri o prometido e pedi a desistência das ações. Respirei aliviado, mas o pior estava por vir.

Dalila do sertão
Uns dois meses depois, fui citado como corréu [o certo seria corréu, mas prefiro a forma antiga] em uma ação de prestação de contas movida pelo Município contra mim e contra Salviano. Foi uma punhalada traiçoeira, pelas costas. Tal ação era absolutamente incabível. Como poderia eu prestar contas de uma verba que jamais passara por minhas mãos? Fui nomeado para presidir o Instituto apenas em dezembro de 96, quando a tal verba já fora gasta até o último centavo. Ou o prefeito ou alguém ligado à administração dele estava, na realidade, destilando algum tipo de rancor contra mim, tentando de qualquer maneira manchar minha reputação, por motivos que até hoje ignoro.
Para resumir: o juiz Jaime Medeiros, competente e letrado, julgou a ação improcedente, mas sob alegação de que, como prefeito, Salviano deveria ter as contas julgadas pela Câmara de Vereadores, e para lá determinou a remessa dos autos, em decisão tão insólita quanto inédita. Jamais vira o Legislativo servir de instância para o Judiciário. E eu, que não era prefeito, fiquei sem julgamento. Recorri, pois, ao Tribunal de Justiça. Até hoje estou aguardando uma decisão...

O suculento fruto do acaso
A administração “Unida e Forte” continuou com seu roteiro de mediocridade, sem atinar com os reais problemas da comunidade, que, por falta de exercício crítico, disfarçava sua insatisfação.
Em outubro de 98, fui localizado por Rose, a quem eu conhecera durante a  administração de Salviano, vez que ela trabalhara no gabinete do prefeito. Ela me apresentou a Chico Alvez, seu cunhado, que necessitava de um advogado para formalizar um pedido na Justiça criminal, em torno de cumprimento de exigências de liberdade condicional. Surpreendentemente, dada a afoiteza, nessa mesma ocasião ele me convidou para assinar uma coluna em um jornal que ele planejava fazer circular antes do fim do ano. Aceitei o convite, pensando intimamente que aquele era mais um dos utópicos projetos de fazer jornalismo em nossa cidade e que invariavelmente sucumbiam. Passaram-se os dias e, já em dezembro, ele me telefonou para cobrar a coluna prometida, afirmando que a primeira edição já estava pronta. Por essa época, a administração Mauro Sampaio era o fracasso que eu previra. Seja por inaptidão para o cargo por parte do veterano prefeito, seja pela incompetência e má-fé de alguns assessores, a gestão municipal era visivelmente desastrosa. Apesar disso, nem uma voz, nem uma pessoa, nem qualquer instituição, pública ou privada, ousara se manifestar com uma crítica sequer às mazelas administrativas imperantes. Havia denúncias subterrâneas de corrupção, de práticas clientelistas, havia muito comentário nas ruas, mas nada de ação concreta a esse respeito. A Câmara de Vereadores estava cooptada e silente. Imagine-se a que preço. A “imprensa juazeirense” permanecia calada e, segundo os comentários, cerca de quarenta radialistas estavam nas folhas de pagamento do erário. No mês de abril daquele ano, eu estivera na Câmara, atendendo a convite do edil Chico Pinheiro, para me pronunciar sobre o movimento “Cariri sem violência”, encetado a partir do trágico e violento assassinato de Gílson Sobreira, em agosto de 1997, e fui suficientemente agressivo em relação à gestão municipal. Por acaso havia uma multidão de professores municipais contrariados no plenário e eu aproveitei a oportunidade para estimular-lhes a revolta contra as decisões administrativas que os puseram naquele estado de ânimo, afirmando que uma das mais perversas formas de violência praticada pelo sistema era a manutenção da pobreza pelo pagamento de salários aviltantes. Diga-se, por amor à verdade, que eu não agia exclusivamente impulsionado por motivos nobres como exercício de cidadania ou participação comunitária. Na realidade eu estava cheio de ressentimentos contra o prefeito, que ousara, ou permitira a assessores mal intencionados, tentar envolver meu nome e questionar minha honorabilidade no episódio da prestação de contas do IMSS. Com tais pressupostos, a primeira coluna, intitulada ironicamente de “Outras Palavras”, saiu no jornal “A Notícia”, edição número 1, com vários tópicos criticando e denunciando mazelas administrativas.
A repercussão foi imediata. Finalmente a cidade tomava conhecimento de uma voz que se levantava abertamente contra a absurda situação, montada como uma farsa, em que se vendia uma administração ruinosa e suspeita de práticas de corrupção com imagens de eficiência e competência.
“A Notícia” transformou-se gradativamente no símbolo da oposição. Sua circulação, a princípio irregular e aleatória, tornou-se semanal, com distribuição gratuita. A cada edição, crescia a expectativa nas ruas a respeito do teor das matérias. A coluna “Outras Palavras” galvanizava as atenções gerais, pelo formato, pelo conteúdo, pela linguagem empregada, lotada de ironia e gracejos. O jornal era municiado com denúncias que pipocavam daqui e dali, oriundas principalmente de servidores municipais insatisfeitos e que me conheciam da administração anterior. Por obra do acaso, sempre ele, a gestão municipal via se robustecer a cada dia uma oposição sistemática que expunha as entranhas de negociatas e episódios de incompetência.

Me engana que eu gosto
Meses depois, aproximando-se a campanha eleitoral, Chico Alves teve um encontro com setores da administração e no dia seguinte abriu uma gaveta, na sede do jornal, e me exibiu vários pacotes de dinheiro. O jornal fora cooptado, mas ele conseguiu manter minha coluna incólume. Ficou estranho, porque enquanto “Outras Palavras” continuava sua cruzada oposicionista, o restante das matérias agora defendia a situação, em visível contradição.
Paralelamente, atendendo a um chamado de Salviano, formamos várias equipes, cada uma responsável por uma zona da cidade, e passamos a nos reunir visando obter um perfil das carências de cada bairro e as sugestões de prioridades para solucioná-las. Era um embrião de projeto de governo para uma futura administração, com o ineditismo de um planejamento que, embora não científico, poderia direcionar as expectativas da população para o enfrentamento de problemas que se acumulavam sem solução. O ato final foi no Salesiano, com todas as equipes reunidas e cada uma expondo suas conclusões. A opinião generalizada era de que Salviano tentaria um terceiro mandato.
Surpreendentemente, contudo, quando ocorreu a convenção partidária do PSDB, pela contagem de quinze votos contra o meu, solitário, decidiu-se pela coligação com Mauro Sampaio, que tentaria a reeleição. Dadas às circunstâncias, em hipótese alguma eu poderia seguir tal orientação partidária. Em vista disso, entreguei meu cargo de secretário do Diretório e me afastei.

Eu voto é na mulher
Mais ou menos em inícios de julho, estavam definidas as candidaturas: Íris Tavares, a professora Salete, o prefeito e Carlos Cruz, montado confortavelmente em pesquisas que lhe davam cerca de 60% das intenções de voto. Eu permanecia observando à distância, desiludido.
Semanas depois, um rapaz que passava o dia ali pela praça, Beto, me perguntou se poderia pregar um adesivo de Iris em meu carro. Respondi que sim. A notícia deve ter se espalhado, porque, na sequência, Manoel Santana me perguntou se eu aceitaria formar um bloco suprapartidário de apoio à candidata petista. Concordei, convidei Luis Carlos Lima e Cícero Timóteo e nos engajamos na campanha. Comparecia aos comícios, mas não me pronunciava. O discurso petista não me era familiar, minhas motivações eram pessoais, de forma que me resguardei.
O partido instalou um comitê em uma saleta na praça, Rua do Cruzeiro. Pela primeira vez, em Juazeiro, se via adultos e crianças comprando adesivos, cartazes, santinhos, distintivos e outras peças de propaganda eleitoral. Eu percorri a cidade, localizando os amigos e conhecidos, solicitando colaboração financeira. O mais surpreendente era ser procurado espontaneamente por pessoas que mal me conheciam com ofertas em dinheiro. Todo ele transformado em material de campanha, que era franciscana, mas que empolgou a cidade de uma forma que jamais vira antes. “Eu voto é na mulher” se tornou um bordão epidêmico que se alastrou por todos os bairros. Iris subia vertiginosamente nas pesquisas e Carlos Cruz despencava, enquanto os votos do prefeito minguavam. A vitória parecia possível.
Faltando poucos dias para a eleição, Mauro praticamente desistiu, jogou a toalha, e Tasso Jereissati veio pessoalmente comandar um esforço final de campanha, para que o PT não vencesse no maior colégio eleitoral do interior do Ceará. Houve comentários de que equipes percorriam os bairros mais distantes e isolados com uma pregação anticomunista, aterrorizando as pessoas mais humildes com alertas de desapropriações de imóveis e até mesmo com a falsa notícia de que, vitoriosa, Iris mandaria pintar a estátua do padre Cícero no Horto de vermelho. Uma espécie de piada de mau gosto.
A carreata final, no sábado às vésperas da eleição, foi empolgante. Sem distribuir um mililitro de combustível, na contramão do que é costumeiro por aqui, centenas de veículos circularam pelas ruas da cidade, levando milhares de curiosos, que se concentravam nas esquinas, ao delírio. A descida pela São Benedito foi apoteótica, entusiasmante. E quando meu carro despontou na Rua do Cruzeiro, na direção da praça, e eu tive uma visão quase completa da extensão do cortejo e da animação do povo, me emocionei com o vigor da esperança de uma parcela tão significativa da população que acreditava em mudanças e clamava por elas.

Presidente por uns dias
Dois anos depois, a campanha presidencial galvanizava as atenções. Lula era candidato oposicionista pela quarta vez consecutiva; Serra era o candidato da situação, mas inesperadamente Roseane Sarney passou a liderar as pesquisas. Até que um dia estourou um escândalo financeiro envolvendo o marido dela, com flagrante e tudo mais, e a campanha dela murchou como balão furado. Ciro Gomes, até então pouco lembrado nas pesquisas de intenção de voto, começou a subir e em agosto estava ombreado com Lula e Serra e a eleição estava indefinida. Recebi um telefonema de Cid Gomes, então prefeito de Sobral, meu amigo desde a época em que fui Juiz lá. Ciro viria a Juazeiro e ele queria minha ajuda. Eu já apoiara a candidatura de Ciro a presidente em 98, quando ele obteve uma votação surpreendente em todo o Brasil. Combinei com Cid e fui apanhá-lo no aeroporto. Viemos para minha casa e ele passou a manhã toda falando no celular, convidando prefeitos e outros políticos, adotando providências e antes de partir me disse que eu seria o coordenador da visita de Ciro. Foi marcada uma reunião no gabinete do prefeito Carlos Cruz, para que a gente delineasse o roteiro, o local do comício, coisas assim. Lá, embora me sentisse como um peixe fora do aquário, fiz o meu papel de coordenador. No dia da chegada, pelas duas da tarde, fui ao aeroporto e consegui organizar a carreata, com a ajuda da Polícia Militar. Havia um trio elétrico mal posicionado, bem em frente ao portão de entrada para o saguão. Falamos com o guiador e ele obedeceu, se posicionando em uma esquina bem antes do aeroporto. Fiquei em pé, na entrada da sala VIP, fazendo a triagem de quem poderia ou não entrar ali, temendo que a coisa toda virasse uma bagunça. De repente, se posta à minha frente Giovani Sampaio:
- Doutor Sávio, minha ordem para o motorista foi de que ele não se afastasse um centímetro de onde eu mandei ele ficar.
- Pois tá ruim, Giovani, porque eu determinei que ele ficasse a cem metros daqui.
Ele ainda resmungou alguma coisa ininteligível e saiu.
A carreata seguiu até a Praça do Memorial, onde Ciro discursou para uma multidão. Ele fez questão de mencionar meu nome duas vezes, em agradecimento pelos serviços prestados.
Dias depois, setores do PT, segundo a VEJA denunciaria anos após, envolveram Ciro em episódios de repercussão negativa e ele, que realmente tem a língua solta e não é benquisto entre a classe política tradicional nem entre os gigantes da mídia, como a Rede Globo, o grupo Abril e a Folha de São Paulo, teve sua candidatura esvaziada, abrindo caminho para a ascensão de Lula, infelizmente.

Desfolhando a margarida
Passados os ecos da última campanha municipal e cicatrizadas as feridas emocionais e partidárias, voltamos à rotina de rarefeitas reuniões, no PSDB, enquanto a administração de Carlos Cruz se arrastava, anódina, inodora, insípida e incolor.
Aproximadamente em abril de 2003, houve uma reunião na sede da Rua Santa Clara, próximo ao santuário dos salesianos. Nas eleições de 2002, Salviano se reelegera deputado federal, mas com votação decrescente em Juazeiro. Zé Arnon também se reelegeu, mas apenas manteve sua habitual votação por aqui e Raimundo Macedo surpreendeu, aumentando de forma significativa sua votação para deputado estadual. Havia muitos comentários de que os resultados o credenciavam a pleitear uma candidatura a prefeito, em 2004. Nessa reunião, Raimundão pediu a palavra e fez uma proposta sincera, mas insólita: queria que os membros do diretório assinássemos um documento e nos comprometêssemos a escolher candidato a prefeito aquele que, dentro do partido, estivesse melhor posicionado nas pesquisas de opinião pública um ano depois. Fui o primeiro a falar e disse que não assinaria um documento dessa natureza para ninguém. Quando todos terminaram de se pronunciar, Raimundo voltou a discursar:
- Diante da decisão de vocês, quero adiantar que estou deixando o partido.
Quem o manteve foi Tasso, alarmado pelas defecções de Arnon e Rommel Feijó, que se filiaram a um partido da base aliada do presidente Lula, eleito em 2002.

O primeiro encontro
Em setembro, me encontrei casualmente com Silva Lima no Shopping Cariri. Conversamos e veio à tona a possibilidade da candidatura de Raimundão a prefeito, respaldado na votação do ano anterior. Eu disse que não via com bons olhos, por causa de certos comentários que ouvira e até porque inexistia qualquer relacionamento entre nós dois, salvo os cumprimentos formais em reuniões.
- Você concordaria em se encontrar com ele, para um jantar?
- Não ponho obstáculos quanto a isso. Sou civilizado.
Depois, Silva me ligou avisando que o jantar seria na quinta-feira, no Restô Jardim, às vinte horas.
Chegando lá, encontrei Silva e ficamos conversando e bebericando. Logo em seguida chegam Raimundo e Maurinho:
- Pois é, dr. Sávio...
- Pois é, Raimundo... eu tenho algumas objeções a fazer a sua candidatura.
- Pode falar, doutor.
- Em primeiro lugar, há uma história que me contaram de que você substituiu Carlos Cruz na prefeitura e encheu vários caminhões de mercadorias diversas e levou para Aurora...
- Isso aí foi invenção de Aguinaldo Carlos. Ele era presidente da Câmara e queria ser o prefeito-tampão. Como eu assumi, ele espalhou a história.
- A outra coisa é que também me disseram que você contraiu um débito milionário no BEC e nunca pagou.
- O empréstimo existiu, mas é pouca coisa. Quando fui pagar, a dívida estava inchada. O BEC me executou e eu me defendi. A Justiça ainda não decidiu...
Conversamos sobre outros assuntos e o encontro terminou em clima de cordialidade.

Como nasce uma candidatura
No dia seguinte e praticamente durante todo o ano que antecedeu a eleição, Raimundo aparecia lá em casa, me convidava a acompanhá-lo e saíamos por aí, visitando gente e lugares, principalmente indústrias. Levou-me ao Herzog, na URCA, ao padre Murilo, meu colega de sofrimento vascaíno, com quem sempre mantive relações fraternais, apesar da oposição de nossas opiniões filosóficas. Acho que Raimundo queria me exibir como um troféu conquistado, um aliado valioso na dura caminhada pela indicação partidária.
A partir daí, passei a procurar os convencionais com quem mais me relacionava ou identificava, argumentando que Raimundão era uma chance viável de o partido retornar ao exercício do poder e de executar nossos projetos em benefício do Município. O apoio interno à candidatura dele foi se consolidando aos poucos. Em fevereiro de 2004, resolvemos antecipar a decisão oficial do PSDB sobre a sucessão municipal. Salviano e Vasques Landim lideravam o bloco dos que não concordavam com a ideia da antecipação. Foi marcada uma reunião do diretório no prédio da escola de Horaci, ali perto do Salesiano. Não se conseguiu uma definição, mas, pelo menos, deu para sentir que o nome de Raimundão já era majoritário dentro do partido. Em uma reunião seguinte, no mesmo local, ficou finalmente combinado, e registrado em ata, que Raimundo Macedo seria o candidato a prefeito e que Salviano indicaria o candidato a vice.
Os dias foram passando, Raimundão já em campanha aberta, e nada de Salviano definir o nome do vice. Faltando três ou quatro dias para o prazo final das convenções, me dirigi ao escritório do senador Reginaldo Duarte, no Medical Center, onde haveria uma reunião de cúpula com o objetivo de definir o vice:
- Salviano vem?
- Que nada... ele viajou para Brasília.
- Não acredito. Nós temos um prazo a cumprir junto à Justiça Eleitoral...
Como secretário do Diretório, a responsabilidade era minha.
Resolvemos ligar para ele. Conversamos e ele me disse que voltasse a ligar no dia seguinte, mesma hora. Liguei, de minha casa mesmo:
- E aí, Salviano?
- Já decidi. O vice vai ser Andrei Salviano.
Já havia comentários a respeito. Ainda argumentei que Andrei era um garoto, desconhecido na cidade e que o partido possuía quadros excelentes para apresentar na chapa, mas ele se manteve irredutível. Nas circunstâncias, tive que fazer o comunicado à Justiça Eleitoral, apontando diversos nomes como vice-prefeito.
Quando comuniquei a notícia a Raimundo, ele se mostrou contrariado. Havia soluções melhores, mas o partido é que decidiria.

Uma reunião para ficar na história
Na sexta-feira, último dia do prazo antes da convenção, houve a reunião definitiva na escola de Horaci. Devido ao impasse quanto ao cargo de vice, providenciei a impressão de várias chapas diferentes, todas com o nome de Raimundo para prefeito, mas com nomes variados para vice: Hugo Santana, Guálter Alencar, Wilton Almeida, José Roberto Celestino, Silva Lima, inclusive Andrei Salviano. Isso foi feito abertamente, na sala de Reginaldo, com muita gente testemunhando, inclusive Wilton e dr. Quim.
A reunião foi tumultuada. Havia pessoas presentes que não pertenciam ao diretório, o que era inaceitável. Como presidente do partido, Silva Lima se alterou e se agarrou com Fernando, tentando expulsá-lo da sala. Vasques Landim perdeu a calma e me acusou de estar preparando uma maracutaia. Obviamente alguém distorcera a verdade e lhe contara a minha iniciativa de imprimir várias chapas com vices diferentes. Hugo Santana e Guálter Alencar se retiraram, temerosos, da reunião. Contudo, os ânimos serenaram, a razão voltou a presidir os atos e findamos por formalizar a chapa. Para o bem ou para o mal, agora era Raimundão e Andrei.

Os primeiros e incertos passos
A campanha começou tímida e franciscana. Mais uma vez, fiquei com a assessoria jurídica, auxiliado por Virlene e por Jeanne, minha sobrinha, estabelecidos em um comitê na Ailton Gomes. Minha primeira providência foi oficiar ao Juiz Eleitoral solicitando a data do sábado, às vésperas da eleição, para a realização da carreata final, inclusive com roteiro pré-estabelecido, abrangendo todo o perímetro urbano, e horário exagerado, das 10 às 17 horas. Era uma medida preventiva, que visava evitar a concorrência dos adversários. 
Raimundo conseguiu a casa de Chico Lustosa, onde hoje é a Justiça Federal, e ali se instalou o comitê central, inclusive o setor de marketing, sob a coordenação de Dudu, da Síntese. Toda noite percorríamos um bairro em carreata, que terminava em pequenos comícios localizados.
No primeiro dia da propaganda gratuita no rádio, um domingo, Maurinho apareceu lá em casa, pelas dez horas, com cara de velório:
- Dr. Sávio, papai leu o texto que prepararam, lá na rádio, e disse que não leria no programa eleitoral de jeito nenhum.
- A que horas vai ao ar?
- Às sete da noite.
- Tem tempo de sobra. Depois do almoço a gente vai lá dar um jeito.
Conversamos o resto da manhã e depois do almoço. Lá pelas três da tarde, fomos à rádio Vale FM. Li o texto, que realmente era medíocre, sentei-me à frente de um computador e redigi um novo, com uma síntese de um programa de governo bem adequado para a abandonada Juazeiro, e voltei para casa. À noite, Raimundo passou por lá:
- Gostei de seu texto, até das muriçocas. Queria lhe pedir que a partir de amanhã você ficasse lá no comitê central...

Renunciando à renúncia
Eu e Dudu nos tornamos grandes amigos. Quando ele se ausentava nos fins-de-semana, eu assumia o papel dele. Certa vez, recebemos a denúncia de que um genro de Carlos Cruz havia comprado um posto de gasolina para os lados da Matriz. Repercutimos a denúncia no programa eleitoral. Ana Paula Cruz mordeu a isca e replicou no dia seguinte, negando a estória e afirmando que renunciaria, se fosse verdade. Nossa tréplica foi demolidora e criativa: estavam em nossas mãos todas as informações sobre o processo de execução que corria em uma das Varas da Comarca. O genro não honrara os cheques referentes à compra do posto e o vendedor ajuizara. Até os números dos cheques nós revelamos. E desafiamos a deputada a renunciar, como prometera. O assunto morreu por aí.
Orlete coordenava um setor do Comitê feminino, junto com Mariceli, Ana Ester, Cássia e outras lideranças. Ela encomendou 3.000 chapéus de palha na Rua do Horto para distribuí-los durante a procissão no dia 15 de setembro. Cada um levava um detalhe que era propaganda eleitoral de nossa chapa. No dia anterior:
- Sávio, a gente precisa ir apanhar os chapéus, mas o comitê diz que não há um tostão em caixa. E agora?
- Quanto é a despesa?
- Dois mil e setecentos reais. Cada chapéu sai por noventa centavos...
Preenchi um cheque e entreguei-lhe. Foi minha contribuição financeira à campanha, que era MESMO franciscana.

De olhos vendados
Atrás nas pesquisas, precisávamos de algum fato novo, capaz de infletir a tendência das intenções de voto. Chamei Silva Lima e propus que procurássemos Santana e Tarso Magno, candidatos minoritários, para uma conversa amistosa em torno de um provável acordo de última hora. Ligamos e a reunião foi marcada para a manhã seguinte no escritório de Tarso, em uma rua ali por trás da Prefeitura. Tomei a iniciativa:
- Santana, as pesquisas mostram que vamos perder por uma margem apertada. Se vocês renunciarem, com certeza seus eleitores vão votar na oposição...
- Você está enganado, Sávio, nós vamos ganhar as eleições. Essas pesquisas são manipuladas.
- É um ponto de vista. Mas a gente pode fazer um acordo, ganhar as eleições e governar o Município em conjunto. Posso garantir que a Secretaria de Saúde ficará com o PT.
- É impossível a gente renunciar a estas alturas. O eleitorado não aceitaria.
- Se Carlos Cruz ficar mais quatro anos no poder, vocês poderão ser os responsáveis.
- É um risco. Mas nós vamos ganhar.
E o papo morreu aí, ineficaz.

O Instituto eficiente
Faltando uns três dias para o domingo do pleito, alguém teve a brilhante ideia de forjar uma pesquisa, com Raimundão ultrapassando Carlos. O Instituto Infodata, nome fictício, é claro, fez a pesquisa mostrando um resultado que, transformados os percentuais em números absolutos, dava a vitória à nossa coligação por uma diferença de cerca de mil e quinhentos votos. O boletim foi impresso aqui mesmo e derramado de madrugada nas principais esquinas da cidade. A situação agiu rápido, peticionou e o Juiz Eleitoral, Acelino Jácome, concedeu uma liminar determinando a apreensão dos folhetos. A polícia federal foi acionada e vasculhou nossos três comitês, mas não encontrou um mísero exemplar. Fui notificado por e-mail e fiz a defesa, negando a autoria da criminosa iniciativa, atribuindo-a a eleitores avulsos e desconhecidos. E ficou tudo por isso mesmo. O mais curioso é que o Infodata acertou quase exatamente o resultado final do pleito. Uma ironia do destino.

A convincente apoteose
Aos trancos e barrancos, chegamos ao dia da carreata final. As pesquisas mostravam sistematicamente que o prefeito liderava com uma folga de oito a dez pontos percentuais. Nossa chance era o voto dos indecisos, que eram muitos. O encontro para a carreata foi marcado para a avenida Pe. Cícero, imediações do Shopping, pelas quinze horas. Chegamos e ficamos enfileirados. Passaram-se os minutos e nada de a carreata sair do lugar. Quando se movia, era apenas por poucos metros. Perto das cinco horas resolvi sair do carro e ver o que ocorria. Andei uns três ou quatro quarteirões pela Castelo Branco. A euforia era contagiante. Encontrei uma pessoa conhecida e perguntei o que ocorria.
- É gente demais, doutor. Só de carroças, tem mais de quinhentas. A carreata já entrou na São Benedito, mas ainda vai demorar a se mover.
Vi vários veículos com adversários passando do outro lado da pista. Todos com semblante de enorme surpresa, falando ao celular.
Voltei ao carro e pedi a Orlete que, na primeira esquina saísse da fila. Fomos para a Rua do Cruzeiro e aguardamos em um barzinho, bebendo água mineral. Dali, teríamos uma visão completa do cortejo e poderíamos fazer uma avaliação.
A repercussão dessa carreata foi imediata. Ela foi tão volumosa e tão esfuziante que a visíbilidade de sua influência sobre os curiosos que se aglomeravam nas calçadas ou se postavam nas esquinas, era quase palpável. Concluí que o efeito sobre os indecisos fora extremamente benéfico e fui dormir pensando na vitória.
A eleição foi tensa, mas sem maiores incidentes. A apuração ocorreu no SEBRAE, mas preferi ficar em casa, acompanhando pelo rádio e pela internet. Os primeiros resultados foram favoráveis ao prefeito, com maioria apertada, mas logo a vitória de Raimundo se desenhou e se concretizou. Trocamos de roupa e fomos para o La Favorita, onde, aos poucos, foi se formando um grupo enorme de simpatizantes da coligação. Liguei para Raimundo e ele estava subindo a ladeira do Horto a pé, para pagar uma promessa, e ficou de se juntar a nós em seguida. A festa da vitória se estendeu madrugada a dentro.

Uma operação cinematográfica
A formatação da futura equipe administrativa foi quase toda em minha casa. Por indicação de Tasso, vieram dois servidores da SEFAZ: Jaime Cavalcante, para a Secretaria de Finanças e Wilton Bessa, para o Planejamento. O restante era gente da coligação: Alcides Muniz, na Saúde; Wilton Almeida, como Chefe de Gabinete; Nailê, na Educação; Loureto, nas Ações Sociais; Felipe Santana, no Turismo; Mendonça, na Indústria e Comércio; Mário Bem, na de Obras; Silva Lima, no Meio-Ambiente; Sávio Bezerra, na Agricultura; Sérgio Gurgel, na Procuradoria, logo substituído pelo filho dele, Paolo Quezado. Eu assumi a Secretaria de Administração e comecei a organizar o caos gerado pela administração anterior, principalmente na folha de pagamentos.
Convocados pelo Ministério Público, nos comprometemos a realizar um concurso público geral, para todas as secretarias. Carlos Cruz havia permitido um esquema com uma Cooperativa e lotara o Município de servidores contratados irregularmente. Por determinação de Raimundo, entrei em contato com uma empresa de Fortaleza, a FLATED, especializada em concursos. Desde a primeira entrevista, criou-se um forte laço de confiança entre mim e o diretor de operações da FLATED, João.
Realizado o concurso, saiu a lista provisória de aprovados, pendente de recursos. Às vésperas da divulgação da lista definitiva, na secretaria, recebi um telefonema de João:
- Dr. Sávio, acabei de receber uma ligação de uma pessoa dizendo que está vindo para cá com uma relação de mais de cem nomes para incluir entre os aprovados...
- Quem é ele?
- O primeiro-sobrinho.
- A lista definitiva já está pronta?
- Já, aqui na minha frente.
- Pois então eu vou para casa e você me manda por e-mail. Eu imprimo e divulgo pelo Diário Oficial e aí ninguém pode mais mexer no resultado.
E assim foi feito. Mandei antecipar a impressão do Diário Oficial daquele dia, com a lista definitiva de aprovados e determinei que a relação fosse exposta no prédio da Prefeitura, na Saúde e na Educação, criando um fato consumado.

Na antessala da morte
Ainda no primeiro ano da gestão, a equipe começou a se desfazer. Jaime se desentendeu com um parente do prefeito e pediu a exoneração. Foi substituído por Liberal. Depois saiu Wilton Bessa, substituído por Bismarck, seu principal assessor. Mais adiante sairia Nailê, trocada por Solange Tenório. Eu já perdera o ímpeto inicial, desiludido especialmente com os rumos da Educação, onde predominava o corporativismo, defendido rigidamente pelo Sindicato dos Servidores.
Fomos convidados pela Caixa Econômica para um seminário em Natal-RN, sobre finanças públicas. Eu estava escalado para viajar, em companhia de Wilton e de Bismarck, representando o prefeito. Desisti na última hora, porque achei que meu trabalho não tinha envolvimento direto com o tema e também porque Natal é um bocado longe.
Na volta, o veículo oficial do prefeito capotou antes de chegar a Missão Velha, matando Bismarck e o gerente da Caixa de Juazeiro. Só escapou Wilton, com vários ferimentos.

Reprisando o filme do Instituto
Depois de alguns meses de gestão, Raimundo concluiu que não dava para continuar com o INSS. Quase toda a verba federal recebida mensalmente era usada para pagar a previdência oficial, uma caixa preta, em razão de vários parcelamentos ao longo dos anos. Resolveu criar o Instituto Municipal. De novo, encampei a ideia, com a convicção reforçada por uma lei recente que elevara os níveis de segurança e as exigências de garantias para um funcionamento adequado do órgão. Depois de uma pesquisa pela internet, contratei uma empresa especializada do Mato Grosso do Sul para a elaboração da lei e para a instalação da repartição. Fui o único assessor do prefeito que vestiu a camisa do Instituto. Proferi palestras em escolas e reuni pelo menos três vezes os servidores das diversas secretarias que funcionavam no prédio da Prefeitura, para esclarecer as regras e dirimir dúvidas. Havia muita desconfiança, por causa dos antecedentes, por conta da oposição do Sindicato, bem como da Câmara de Vereadores.
Certa tarde, fiz um pronunciamento no plenário da Câmara, tentando convencer os edis das vantagens da adoção do Instituto Municipal. Quase fui agredido. Na plateia, apenas oposicionistas, gente ligada ao PT e ao Sindicato dos servidores. Após minha fala, fui entrevistado por Murilo Siqueira e disse que, se o Instituto ficasse sob minha responsabilidade, eu garantiria o bom desempenho dele, tal a clareza das regras agora vigentes. Contudo, o projeto de lei foi retirado de pauta, porque não seria aprovado.
Milagrosamente, uns dois meses depois, Raimundo conseguiu convencer os vereadores e o projeto finalmente foi acolhido, sem mudança de uma vírgula. A empresa contratada voltou a Juazeiro e apresentou a lista de exigências para a instalação: prédio próprio, pessoal, computadores, móveis, utensílios, tudo bem relacionado. Fomos nos encontrar com o prefeito no Ingra Hotel. Expliquei-lhe que, de acordo com o texto da lei aprovada, o Secretário de Administração seria automaticamente o gestor do órgão. Raimundo não falou nada, apenas gesticulou, abrindo as mãos sobre a mesa, no que interpretei como uma aprovação, mas sem entusiasmo, o que me causou a desconfiança de que algo não estava bem.

Uma declaração infeliz
Três dias depois, ele me telefonou pleno meio-dia, e pediu que eu fosse ao hotel Verde Vale. Chegando lá, encontrei-o sozinho em uma saleta. Pediu-me que providenciasse uma série de atos de nomeação, inclusive a de Zé Ivan, para a Secretaria de Administração, e a minha, para a recém-criada Ouvidora-geral do Município.
- Vou à Prefeitura preparar os atos. Quanto a sua oferta, vou pensar e lhe respondo dentro de alguns dias...
Tudo preparado, saí com Orlete. Nas escadas, cruzamos com o prefeito, chegando para a solenidade de posse. Encabulado, nos cumprimentou vagamente.
Entramos no carro e Orlete:
- Como é que você está se sentindo, meu filho?
- Aliviado.
A única visita que recebi, de solidariedade, foi de Salviano, acompanhado por Catarino.
Três dias depois, oficiei ao prefeito, agradecendo e declinando da nomeação ofertada.
Na semana seguinte, fui procurado por um servidor municipal que se tornara meu amigo. Ele me disse que estivera no Panorama Hotel para despachar com o prefeito quando chegou uma pessoa muito conhecida na sociedade e disse:
- Dr. Raimundo, jamais o senhor poderia ter exonerado o dr. Sávio. Pegou muito mal.
- Fui obrigado. O nome dele esteve envolvido no escândalo do Instituto, na época de Salviano.
Raimundo me nomeou com a caneta de prefeito e poderia me exonerar, como fez, com a mesma caneta, sem qualquer objeção de minha parte. Faz parte do jogo político e suas circunstâncias, extremamente voláteis. Jamais, contudo, ele poderia usar esse tipo de argumentação para se justificar. Ele conhecia toda a história, nos mínimos detalhes e sabia que eu estava isento de qualquer culpa e acima de qualquer suspeita. Aquela, portanto, foi uma declaração infeliz e imperdoável.

Vertigens do poder
Passados um ano e alguns meses, chegou a época da convenção partidária para escolha do candidato a prefeito. Salviano ensaiara uma saída do PSDB, ingressando no PMDB, mas recuou, por receio de perder o mandato de deputado.
Certa manhã, recebi Raimundão, acompanhado do senador Reginaldo, em minha casa. A conversa foi prolongada, mas vou resumi-la. Ele me falou da próxima convenção e que esperava contar com o meu voto. Respondi-lhe, sem subterfúgios, como é de meu estilo, que trabalhara com Salviano e com ele na Prefeitura e que, como gestor municipal, minha predileção era por Salviano. Ele se retirou, desolado.
Jamais imaginei que Salviano venceria a convenção, realizada no Memorial. Mas ele venceu, pela diferença de um voto. Raimundo contava como certa a reeleição, mas não teve nem a chance de disputá-la.
O troco veio na forma do apoio ostensivo à candidatura de Santana, do PT, que ganhou de Salviano com uma maioria esmagadora. Mas, para Raimundo, foi uma vitória de Pirro. Com poucos meses no poder, Santana já se livrara de todos os laços referentes ao apoio recebido na artificial aliança entre opostos, cometeu uma administração que desagradou a gregos e troianos, e, em 2012, em outra reviravolta, foi derrotado pelo mesmo Raimundão, também por uma folgada margem de votos.
Duas observações: primeiro já se disse que a política é dinâmica. Em Juazeiro, ela é mais que isso, é vertiginosa. Em 2004, Raimundo e Salviano estavam alinhados no mesmo palanque e Santana em outro; em 2008, Raimundo e Santana estavam juntos, contra Salviano; em 2012, Salviano e Santana estavam aliados, contra Raimundão. Mais dinamismo, impossível.
Segunda observação: em 2016, Raimundão enfrentará um desafio, uma espécie de tabu: desde que foi adotada a reeleição na legislação eleitoral, nem um prefeito juazeirense conseguiu se reeleger: Mauro, Carlos Cruz e Santana foram rejeitados pela vontade popular e Raimundo sequer chegou às urnas, caiu na convenção partidária. 
Só nos resta aguardar a sequência desse vertiginoso desfile.

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