quinta-feira, 18 de abril de 2013

Juazeiro em 1909 (antes da independência) - Por Daniel Walker


Quem melhor descreve a vida do povoado de Juazeiro a partir da construção da Capela de Nossa Senhora das Dores é Amália Xavier de Oliveira. Mas para a organização deste capítulo recorremos também a outros autores, como padre Neri Feitosa e padre Azarias Sobreira, pois eles têm também boas informações. Consta que o padre Pedro Ribeiro de Carvalho, primeiro capelão de Juazeiro, era muito zeloso; cuidava da pequenina população do lugarejo, formada principalmente de pessoas do campo, ensinando-lhes a rezar e a trabalhar. Na época invernosa a população entregava-se aos trabalhos agrícolas; homens e mulheres iam para a roça ocupando-se no cultivo do arroz, milho, feijão, mandioca e algodão. Após a colheita, as mulheres ficavam em casa desenvolvendo trabalhos domésticos e fiando algodão para tecer a roupa dos maridos e dos filhos que elas mesmas costuravam, pois não havia máquina. Os homens se dedicavam aos trabalhos da Fazenda, alimentação do gado, solta das rezes nos pastos, ordenha, vaquejada, desmancha de mandioca, caça, pesca, etc. Todos ali aprendiam o Catecismo, rezavam e trabalhavam sob a orientação do padre que não permitia a promiscuidade e fazia tudo para evitar a discórdia entre os habitantes. Foi assim, nesta atmosfera de paz e tranquilidade, que viveram os primeiros habitantes de Juazeiro de 1827 a 1833, quando faleceu o padre Pedro cercado do respeito e amor de todos que o conheceram.
As festas mais concorridas, além das religiosas, eram os casamentos. Eram feitos com grande animação: três dias de festa antes do casamento na casa do pai da noiva ou de outra pessoa que o representasse e três dias na casa da família do noivo, após o casamento; depois destes festejos todos, o noivo tinha o direito de levar a noiva para casa.
Os padres que o substituíram na Capelinha eram também zelosos e piedosos. O povoado ia crescendo; novas casas foram construídas, sempre localizadas em torno da Capela e ao longo das proximidades da margem do rio Salgadinho. Surgiram, então, os primeiros aglomerados: Cacimba do Povo, Rua do Brejo, Feira do Capim, Mercado Velho, Boca das Cobras, Volta, Salgadinho, Mochila, Comboeiro (Malvas).
Com a chegada do Padre Cícero (em 11.04.1872) como capelão e graças a sua dinâmica atuação, já tão difundida nos livros que tratam de sua vida, o pequeno lugarejo sofreu profundas transformações até chegar ao estado em que se encontra hoje. 
O escritor J. G. Dias Sobreira, em seu livro Curiosidades e factos notáveis do Ceará, informa que quando visitou Juazeiro em 1856, o povoado tinha o seguinte aspecto:

O povoado, nesse tempo, compunha-se de umas sessenta casas de taipa, umas cobertas de telhas e outras de palha de carnaúba ou de palmeira. A disposição delas não obedecia à regra natural de arruamento. Logo na entrada do povoado, começavam duas fileiras de casas, sem guardar a eqüidistância, no seu prolongamento. Ao seguir iam elas afastando-se, de modo que, tendo no começo uns vinte metros de largura, terminavam com mais de cem metros  ao chegar à igreja. Não havia  estética nem nexo, naquela formação de arruamento”.     

Porém, em 1909, um documento apresentado à Assembleia Legislativa do Ceará, em apoio ao pedido de autonomia municipal para Juazeiro, encontrado por Ralph della Cava nos Arquivos do Colégio Salesiano, informa que antes de se tornar independente do Crato o povoado de Juazeiro já se encontrava em acelerado ritmo de desenvolvimento, graças à ação do Padre Cícero.  Já possuía uma farmácia, um médico residente, um jornal, várias instituições religiosas, como o Apostolado da Oração, fundado pelo Padre Cícero, um escritório de intercâmbio comercial com a capital e uma instituição civil para cuidar do engrandecimento do lugar.  
A zona rural de Juazeiro possuía 22 engenhos de açúcar empenhados na produção de rapadura e subprodutos alcoólicos e cerca de 60 locais equipados para preparar farinha de mandioca. Além do cultivo de arroz, feijão e milho, Juazeiro já se destacava na produção de borracha de maniçoba e algodão. Foi Padre Cícero quem introduziu a borracha no Cariri, na primeira década do século XX. E graças ao seu empenho, o algodão, cuja cultura havia sido quase totalmente abandonada, reapareceu entre 1908 e 1911. Ele chegou a comprar uma máquina de beneficiamento de algodão, movida a vapor. A borracha e o algodão foram os principais responsáveis pelo intercâmbio econômico de Juazeiro com o comércio exportador das grandes casas comerciais da capital cearense, especialmente com a firma francesa Boris Frères e a companhia brasileira de  Adolfo Barroso.
Mas o crescimento urbano do povoado foi ainda maior do que sua expansão agrícola. O comércio pulsava com a realização de uma feira semanal, realizada aos domingos em frente à Igreja de Nossa Senhora das Dores. Muitos dos comerciantes tinham imigrado para Juazeiro provenientes de pequenas cidades vizinhas e de outros Estados. Mas a atividade econômica principal do povoado provinha de suas indústrias artesanais de onde saíam uma grande e diversificada produção de produtos utilitários e decorativos, além de produtos religiosos. Tudo se desenvolveu tendo em vista atender às demandas de consumo em ascensão e como uma resposta oportuna à incapacidade das limitadas áreas rurais de Juazeiro para absorver os imigrantes nas atividades agrícolas, de imediato após a chegada. Chegando ao povoado, os romeiros, orientados pelo Padre Cícero, trabalhavam na manufatura de vários artigos de uso doméstico confeccionados com matéria-prima local: louças de barro, vasos, panelas, cutelaria, sapatos, objetos de couro, chapéus, esteiras de fibras vegetais, corda, barbante, sacos e outros receptáculos para estocar e expedir gêneros alimentícios. As habilidades manuais do povo e as necessidades do sertão levaram, eventualmente, à fabricação e exportação de instrumentos rurais típicos, tais como, enxadas, pás, facas, punhais, rifles, revólveres, balas e pólvora.
Logo cedo, devido à grande procura de seus produtos, muitos artesãos saíram de suas casas e passaram a produzir em maior escala em oficinas amplas e equipadas de máquinas, localizando-se no centro da cidade para ficarem mais ao alcance dos clientes. Os reflexos do desenvolvimento do povoado estavam bem evidentes nos impostos arrecadados... principalmente para o Crato. Por isso, o desejo de se tornar independente nasceu. 

Segundo o documento apresentado à Assembleia Legislativa do Ceará,  provavelmente organizado por Dr. Floro Bartholomeu da Costa, em 1º de  janeiro de 1909, cuja cópia transcrevemos abaixo:

A povoação de Joaseiro, estado do Ceará, tem na presente data: 18 ruas, 4 travessas, etc., com a população de 15.050 habitantes, como se vê abaixo:
Rua Padre Cícero: 2.000 habitantes,
Rua S. Luzia: 1.538 habitantes,
Rua S. Jose: 1.100 habitantes,
Rua S. Francisco: 1.000 habitantes,
Rua S. Antônio: 557 habitantes,
Rua S. João: 603 habitantes,
Rua de S. Sebastião: 552 habitantes,
Rua de S. Pedro: 227 habitantes,
Rua do Rosário: 578 habitantes,
Rua do Perpétuo Socorro: 523 habitantes,
Rua do Cruzeiro: 540 habitantes,
Rua dos Passos: 1.040 habitantes,
Rua da Conceição: 800 habitantes,
Rua das Malvas: 175 habitantes,
Rua Grande do Salgadinho: 1.136 habitantes,
Rua da Cacimba Nova: 480 habitantes,
Praça da Capella de N. S. das Dores: 734 habitantes,
Praça da Liberdade: 345 habitantes,
Travessa de S. José: 287 habitantes,
Travessa de S. Francisco: 250 habitantes,
Travessa da Conceição: 209 habitantes,
Travessa da Rua Nova: 37 habitantes,
Beco do Cemitério Velho: 30 habitantes.

Na relação de profissionais, comércio e pequena indústria, destacamos:
Oficinas de Sapateiros: 20,
Carpintaria: 35, 
Marcenaria: 5, 
Pedreiros: 40, 
Fogueteiros: 15, 
Funileiros: 7, 
Ferreiros: 8, 
Ourives: 2,
Pintores desenhistas: 2, 
Fundição: 1, 
Barbeiros: 3, 
Alfaiates: 3, 
Alfaiates Modistas: 10, 
Padarias: 2, 
Farmácias: 2,
Lojas (Molhados-Mercadorias): 10, 
Lojas (Fazendas-Miudezas): 10, 
Bodegas (Molhados-Bebidas): 20,
Armazéns (Géneros Alimentícios): 10, 
Escolas (particulares, sexo feminino): 12, 
Escolas (particulares, sexo masculino): 6, 
Escolas (públicas, sexo feminino): 1, 
Escolas (públicas, sexo masculino): 1, 
Tipografia: 1,
Igrejas: 2 (uma em construção), 
Cemitérios: 2, 
Bolandeiras Algodão: 1, 
Engenho de ferro para cana: 18, 
Idem, madeira: 4, 
Estação telegráfica, Agência do Correio, Coletoria Estadual, Cartório do Registro Civil, e Serviço de iluminação pública.

Quem poderia imaginar que depois de cem anos Juazeiro seria o que é hoje! Este é o verdadeiro milagre do Padre Cícero!


domingo, 27 de janeiro de 2013

Revolução de 1914 - Por Manoel Caboclo


Primeiro combate
“Aos 14 de janeiro de 1913 houve o primeiro combate no lugar denominado Buriti a pouca distância do Crato, começando o mesmo a l hora da tarde e findando às 6, estando-se ambos os lados em linha de fogo. Os romeiros eram comandados pelos chefes: Dr. Floro Bartolomeu da Costa, Manoel Chiquinho, Zé Pedro, Manoel Pedro, Zé Terto, Manoel Santana, Chagas e Manoel Calixto, batalhões estes que se estendiam até o Pau Seco. As famílias sitiadas em Juazeiro estavam morrendo de fome, por isto mesmo, enquanto uns guerreavam, outros iam pegando sacos de farinha, matando criações e transportando para Juazeiro.
Conseguiram tomar ainda muitas armas rabelistas, como rifles, bombas envenenadas, facas e punhais, além de muita munição. Os soldados mortos não eram enterrados por falta de tempo, enquanto os romeiros mortos eram conduzidos imediatamente para Juazeiro. O Padre Cícero recomendava que não abandonassem nenhuma pessoa que encontrassem com um rosário no pescoço, pois ali estava o sinal de sua devoção e sua fé na Santíssima Virgem”.


Segundo combate
Foi este um dos mais tenebrosos combates contra Juazeiro. Os soldados rabelistas trouxeram as artilharias de guerra, inclusive as mais possantes peças, colocando-as no sítio Macacos, num ponto em que pudesse alvejar Juazeiro, de modo que numa só descarga deixaria Juazeiro arrasado. Os soldados estenderam linhas de fogo em todas as direções, avançando para a invasão para em poucos minutos acabarem com tudo aquilo que o Padre Cícero mais estimava: as imagens e seus romeiros.
Os romeiros entrincheirados por trás da terra do valado atiravam de pronto, depois passaram a atirar de cima da trincheira, num tiroteio cerrado enquanto davam vivas ao Padre Cícero e a Nossa Senhora das Dores. Não satisfeitos transpuseram o valado e foram enfrentar os soldados em campo aberto. Os romeiros avançaram e os soldados recuavam. Em dado momento os soldados fizeram as peças dispararem, contudo as mesmas mentiram fogo, perdendo de tudo a ação. Enquanto os rabelistas cantavam o hino da guerra, os romeiros cantavam o ofício de Nossa Senhora, avançando como valentes formigas, lutando sem nenhuma instrução. Dentro em pouco as peças estavam em poder dos romeiros e por ordem de Dr. Floro foram conduzidas para o antigo vapor do Padre Cícero em Juazeiro. 
O Dr. Floro Bartolomeu nos combates usava roupas grosseiras, alpercata de rabicho, um cantil, rifle, além de um rosário e uma medalha benta no pescoço (como se vê na foto). Logo depois da passeata pelas ruas, cantaram um Maneiro Pau na Praça da Liberdade em Juazeiro:
Meu Padim Ciço é quem ganha/ Maneiro pau, maneiro Pau/E banana prós Rabelos/Maneiro pau, maneiro pau. Agora vamos ao Crato/Maneiro pau, maneiro pau, /Levar um chá prós Rabelos/Maneiro pau, maneiro pau.
RECOMENDAÇÕES
O Padre Cícero recomendava a todos os romeiros combatentes que fossem unidos, obedecessem aos regulamentos dos superiores, rezassem o rosário todos os dias, levando cada um deles uma medalha, tendo de um lado a imagem de Nossa Senhora e do outro a imagem de São Bento. Adiantava mais que era proibido a todos o uso de bebidas alcoólicas, não tomassem água num só cantil, não acendessem cigarros um no outro, não perseguissem a pessoa alguma que fugisse, mesmo sendo soldado, não praticassem desonras.
No mesmo sentido fez uma recomendação a todos os moradores de Juazeiro, que nos seus quintais cavassem um grande buraco para botarem a família na hora dos tiroteios. Na hora dos combates, o Padre Cícero, com uma imagem do Senhor nas mãos, fazia suas orações, enquanto os romeiros, mesmo escondidos nos buracos, cantavam o ofício de Nossa Senhora.

Terceiro combate
Era um dia de quinta-feira, 24 de Janeiro de 1914, às 3 horas da tarde deu-se o início da tomada do Crato pelas tropas comandadas por Dr. Floro, Zé Pedro e outros. As tropas iam armadas de rifles, espingardas de fuzil, espingardas de cartuchos, bacamartes boca de sino, garruchas, manulixas, currupachés, mosquetões, combréias, chuços, cavadores, foices, machados, etc. As armas mais possantes haviam sido tomadas dos soldados nos combates anteriores.
Os macacos (como eram chamados os soldados rabelistas), acamparam nas proximidades do Crato, mais precisamente no lugar denominado Cemitério do Cólera a espera dos jagunços, assim eram denominados os romeiros. Naquele tempo, o lugar era coberto por árvores de grande porte. A corneta bradou mais ou menos às 3 horas da tarde, anunciando a primeira ameaça de luta: os romeiros dispararam alguns bacamartes, dando aviso da chegada. Logo iniciou-se tremendo tiroteio com fogo cerrado. Balas zuniam, dando a impressão de estarem em luta dois exércitos poderosos. Os romeiros avançaram. As famílias cratenses recolheram-se às suas casas. Os romeiros entravam pelos fundos das casas dos primeiros quarteirões. Enquanto uns atiravam, outros furavam as paredes e muros das casas, dando passagem ao batalhão. Já bem adiantados, mais ou menos no centro da cidade, deram início aos festejos, soltando os afamados foguetões envenenados, que alcançavam uma distância de mais ou menos dois quarteirões. Nos disparos das bombas, que só ocorriam na queda das mesmas, surgia uma fumaça que atingia a vista e a garganta. Não havia soldado que agüentasse. Zé Pedro com seu reforço ia se aproximando das principais artérias da cidade, dando vivas ao Padre Cícero e a Nossa Senhora das Dores. Ao chegarem na cadeia pública soltaram os presos e em especial Zé Pinheiro que foi um forte batalhador. Já eram quatro horas da tarde e o tiroteio continuava em todos os recantos da cidade, deixando apenas livres as estradas do Lameiro e Seminário, para dar passagem àqueles que quisessem fugir. Já alta hora da noite, o major Ladislau conhecendo sua maior derrota bradou: "Salve-se quem puder". A esta ordem, o restante da tropa e alguns correligionários fizeram-se das pernas. Somente na manhã do dia 24 de janeiro é que os romeiros saíram, pois ainda estavam recolhendo armas e alimentos.

Quarto combate
QUARTO COMBATE (TOMADA DE BARBALHA): No dia 27 de janeiro, às 8 horas do dia, deu-se a tomada de Barbalha. Houve pequeno tiroteio, pois felizmente já não encontraram quase ninguém. Havia romeiros que subiam por cima das casas à procura de soldados, porém nada encontravam, todos haviam fugido. QUINTO COMBATE (TOMADA DO IGUATU): Dia 3 de fevereiro de 1914, partia de Juazeiro o Cel. Pedro Silvino e José de Borba, comandando um batalhão de romeiros. Deu-se então o quinto combate na cidade de Iguatu. SEXTO COMBATE (TOMADA DE MIGUEL CALMON E FORTALEZA): No dia 22 de fevereiro, de 1914 houve um combate cerrado no qual apresentou-se o Capitão José da Penha Alves (Jota da Penha) que logo foi alvejado, tendo morte imediata. Depois da sua morte não houve mais impedimento. Os romeiros avançaram e sitiaram Fortaleza. O Cel. Marcos Franco Rabelo, Presidente do Estado, foi deposto do cargo. O Beato Chiquinho de bacamarte na mão gritava para o Rabelo: Chega para frente ladrão.
 No dia 4 de março de 1914, o Governo Federal decretou estado de sítio para o listado do Ceará, terminando assim a guerra. O Dr. Floro ganhou honras de Ministro e o Padre Cícero voltou a ser Prefeito de Juazeiro do Norte e os romeiros ficaram gloriosíssimos vitoriosos. "Todo aquele que invocar o nome do Senhor Deus será socorrido", palavras bíblicas. (Fonte:
Eu, o índio e a floresta, de Manoel Caboclo)